Obras preservadas ficam localizadas em Orleans e retratam cenas como a Primeira Missa no Brasil e a Travessia do Mar Vermelho
Paredão de Esculturas de Orleans une arte e fé em rochas às margens do Rio Tubarão – Foto: Divulgação/Prefeitura de Orleans/ND
Às margens do Rio Tubarão, em Orleans, no Sul de Santa Catarina, uma das obras artísticas mais surpreendentes da região chama atenção: o Paredão de Esculturas. Esculpidas nas rochas da rua Etienne Stawiarski, as figuras entalhadas impressionam não só pela grandiosidade, mas pelo símbolo que carregam para a comunidade local.
Mais do que uma atração turística, o paredão é uma galeria a céu aberto que conecta a fé, a história e a identidade de um povo. Os painéis compõem uma paisagem que mescla a arte e a natureza com uma bela harmonia.
Paredão de Esculturas nasceu da memória de infância e virou legado da cidade
Quando criança, José Fernandes morava perto do paredão de pedras, aberto para a construção da ferrovia Dona Tereza Cristina em 1884. Com vontade de deixar sua marca no local, surgiu a ideia de desenhar nas rochas.
Anos mais tarde, o menino, que ficou conhecido como Zé Diabo, procurou o presidente da Febave (Fundação Educacional Barriga Verde), o Padre João Leonir Dall’Alba, em busca de apoio para o projeto. Ao visualizar a magnitude da obra, a parceria foi firmada.
Durante os estudos para o sacerdócio, na Itália, João Leonir fez um curso de escultura. O conhecimento científico necessário para entender as durezas da rocha, analisar o local e projetar as dimensões e perspectivas de cada painel veio dessa habilidade adquirida pelo padre.
“O conhecimento prático do artista Zé Diabo, aliado ao conhecimento científico do Pe. João Leonir, resultaram na grandiosidade das Esculturas do Paredão. Cada trabalho foi pensado, testado, marcado na rocha e entalhado”, conta a diretora de Cultura e Eventos do Unibave, Edina Furlan Rampineli.
O paredão de esculturas de Orleans começou a ser pensado em 1977, com o início dos trabalhos datado em junho de 1980. Em 1981, os primeiros painéis começaram a aparecer.
Ao todo, 26 painéis foram projetados, mas apenas nove foram executados. Desses, três de forma incompleta, já que as obras foram paralisadas em 1989 por falta de verbas.
Paredão de Esculturas revela capítulos da Bíblia e do Brasil
As esculturas retratam passagens bíblicas e cenas da história do Brasil. No livro “Esculturas do Paredão”, Edina e Elcio Willemann detalham as obras. Confira os trechos.
Painel 1 – “A primeira Missa no Brasil”
“Este painel, inacabado, apresenta detalhes da “Primeira Missa no Brasil”, com duas (2) caravelas; uma (1) figura indígena; dois (2) personagens portugueses; uma (1) arca; um (1) altar; uma (1) cruz e o personagem Frei Henrique de Coimbra, na celebração da Missa. Esse painel mede 3,00×4,00m, trabalho único que recebeu estilo em linhas de cubismo, executado a martelo e entalhadeira”.
Painel 1 do Paredão de Esculturas – “A primeira Missa no Brasil” – Foto: Reprodução/Livro “Esculturas do Paredão/ND
Painel 2 – “A catequese dos Índios”
“O segundo painel, quando completo, representaria “A Catequese dos Índios”, com a figura do Padre Anchieta, cinco (5) índios em descanso e uma cruz. Ambos os trabalhos, painéis 1 e 2, têm a mesma dimensão, mesmo estilo e foram concluídos no ano de 1980, como teste, para ver se a rocha aceitaria a arte. Entalhe de dez (10) centímetros”.
Painel 2 do Paredão de Esculturas – “A catequese dos índios” – Foto: Reprodução/Livro “Esculturas do Paredão/ND
Painel 3 – “A criação do homem”
“O trabalho de escultura do painel, “A Criação do Homem”, demorou quase um ano para ficar pronto. Há uma área de nove metros quadrados (m²) e um entalhe na rocha que varia de 18 a 25 centímetros (3,00×3,00m totalizando 9,00m). Estilo natural (acadêmico), em rocha viva de arenito compacto. Ferramentas usadas: martelo e entalhadeira”.
Painel 3 do Paredão de Esculturas – “A criação do homem” – Foto: Reprodução/Livro “Esculturas do Paredão/ND
Painel 4 – “O sacrifício de Abraão”
“O painel representando o “Sacrifício de Abraão” tem como medidas: 3,50×3,00m, perfazendo área total de 10,50m². Profundidade aproximada de vinte (20) centímetros na rocha viva, em estilo natural. Foram esculpidas as figuras de Abraão; Issac, seu filho; um anjo; um (1) cordeiro e o Altar do Sacrifício de Abraão. Trabalho executado com Martelo e entalhadeira”.
Painel 4 do Paredão de Esculturas – “O sacrifício de Abraão” – Foto: Reprodução/Livro “Esculturas do Paredão/ND
Painel 5 – “Passagem do Mar Vermelho”
“O painel “A passagem do Mar Vermelho”, com Moisés conduzindo o povo Hebreu pelas terras do faraó foi o mais trabalhoso e, consequentemente, o mais bem elaborado. São cinquenta metros quadrados e 25 a 30 centímetros de profundidade na pedra (5,00×10,00m; área total: 50,00m²).
Esse painel, possui dezesseis (16) figuras, sendo que nove (9) delas atinge a altura aproximada de três metros e meio (3,50) de altura. A profundidade do entalhe é de vinte e cinco (25) centímetros. As demais figuras de menor porte alcançam, em média, dois (2) metros de altura.
No primeiro plano foi esculpido Moisés com seu povo após a travessia do Mar Vermelho, enquanto que no segundo foram retratados os soldados do Faraó, tragados pelas águas do mar, seus cavalos, escudos e armas. Para execução deste painel o artista levou dois (2) anos de trabalho, com três colaboradores, sendo executado, unicamente com martelo e entalhadeira”.
Painel 5 do Paredão de Esculturas – “Passagem do Mar Vermelho” – Foto: Reprodução/Livro “Esculturas do Paredão/ND
Painel 6 – “O Templo do Rei Salomão”
“O sexto painel “O Templo do Rei Salomão” representa uma cena do transporte da Arca da Aliança pelos sacerdotes e o Rei Salomão em postura ajoelhada diante do seu templo. Essa obra possui cinquenta m² (50m²). Contém esse trabalho figuras sobrepostas e a profundidade do entalhe chega a atingir até quarenta (40) centímetros. Foram usadas como ferramentas, o martelo e a entalhadeira. Tempo de trabalho para conclusão: dois (2) anos”.
Painel 6 do Paredão de Esculturas – “O Templo do Rei Salomão” – Foto: Reprodução/Livro “Esculturas do Paredão/ND
Painel 7 – “Os dois últimos Profetas do Antigo Testamento”
“O sétimo painel representa “Os Dois Últimos Profetas do Antigo Testamento”, Isaias e Malaquias, período de transição para o Novo Testamento – tendo este painel 20,00m², ou seja: 4,00×5,00m, e as figuras esculpidas atingem quatro (4) metros de altura. Como as demais obras, esta é toda artesanal, ocupando como instrumentos, martelo e entalhadeira”.
Painel 7 do Paredão de Esculturas – “Os dois últimos Profetas do Antigo Testamento” – Foto: Reprodução/Livro “Esculturas do Paredão/ND
Painel 8 – “A Anunciação do anjo”
“O oitavo painel “A Anunciação do Anjo”, representa o momento em que o anjo anunciou a Maria o “fruto do Vosso Ventre Jesus”. Esta obra possui 20,00m², ou seja: 4,00×5,00m, e as suas figuras atingem quatro (4) metros de altura, com entalhe aproximado de vinte e cinco (25) centímetros”.
Painel 8 do Paredão de Esculturas – “A Anunciação do anjo” – Foto: Reprodução/Livro “Esculturas do Paredão/ND
Painel 9 – “O Nascimento de Cristo”
“O nono painel, trazendo como tema o “Nascimento de Cristo”, quando concluído teria dimensões formidáveis, pois além das figuras mal acabadas, outras mais como os Reis Magos também seriam esculpidas, bem como suas montarias (camelos) e escravos, faziam parte do projeto. Precisamente neste local, foi encontrada a rocha mais resistente de todo o projeto do paredão”.
Painel 9 do Paredão de Esculturas – “O Nascimento de Cristo” – Foto: Reprodução/Livro “Esculturas do Paredão/NDParedão de Esculturas resiste como símbolo de identidade e fé
Embora não seja tombado oficialmente por nenhum órgão de preservação, o paredão é reconhecido pela comunidade como patrimônio cultural de Orleans. Todos os anos, uma equipe formada por profissionais do Museu ao Ar Livre Princesa Isabel e do Unibave, com apoio da prefeitura, realiza manutenções nas esculturas.
“As esculturas foram feitas no local que já era naturalmente arborizado, então é natural que a vegetação cresça ali. Entretanto, essa manutenção pontual contribuiu para que as raízes não degradem as obras, entre outros fatores que acabam deteriorando as rochas e também ajudam na contemplação”, explica a diretora do Museu ao Ar Livre, Valdirene Dorigon.
Mesmo inacabado, o Paredão de Esculturas segue vivo na paisagem e no imaginário de Orleans. É um testemunho de um projeto ambicioso, da união entre fé e arte, e do esforço coletivo para preservar a memória.
Paredão de Esculturas de Orleans foi revitalizado em 2017 e passou por uma etapa de limpeza na terça-feira (29) – Foto: Bruna Goulart/Prefeitura de Orleans/ND