O que estão compartilhando: que medicamentos antiparasitários funcionam contra células cancerígenas porque tumores e parasitas produzem energia da mesma maneira. A alegação é feita por Thomas Seyfried, um biólogo americano.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A teoria de Seyfried ainda não tem comprovação científica. Especialista ouvida pelo Verifica explicou que medicamentos antiparasitários não são aprovados para o tratamento contra o câncer e que o consenso científico atual é de que o câncer é uma doença complexa, causada por diferentes fatores. A informação foi confirmada pelo Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Não há comprovação de que medicamentos contra parasitas sejam eficazes contra células cancerígenas. Foto: Reprodução/Instagra
Saiba mais: O vídeo mostra um trecho de discurso do biólogo americano Thomas Seyfried, em que ele afirma que medicamentos antiparasitas funcionam contra células cancerígenas. No seu discurso, Seyfried diz que “parasitas e tumores usam uma via metabólica comum e um medicamento que funciona contra parasitas pode ser muito eficaz contra o câncer”.
“Um homem nos EUA que estava com um câncer terminal curou 100% da doença usando vermífugo pra cachorro” e “eles sabem que funciona contra câncer. A perversidade da indústria farmacêutica não deixa” são exemplos de comentários deixados na publicação do vídeo no Instagram.
Mas ainda não há comprovação de que medicamentos contra parasitas sejam eficazes contra células cancerígenas. Além disso, a explicação de que tumores e parasitas utilizam uma via metabólica em comum é simplista, segundo avaliou a médica oncologista Danielle Laperche, integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc).
“Nenhum medicamento antiparasitário está aprovado por qualquer agência regulatória para tratamento de câncer por não existir realmente estudos que justifiquem esse uso”, explicou Laperche.
“Na prática clínica, o uso de antiparasitários na oncologia está restrito ao seu uso original, realmente com o objetivo de tratar verminoses e não como um remédio contra o câncer”, completou.
O Ministério da Saúde desmentiu que o remédio ivermectina, um antiparasitário, seja eficaz no tratamento do câncer: “A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que não recebeu solicitação dos fabricantes para que avaliasse sua possível indicação terapêutica contra o câncer. Ou seja, não há perspectiva de que o antiparasitário seja aprovado para este uso”.
O Verifica já provou que não existe evidência científica de que ivermectina cure tumor na próstata e que o remédio não pode ser considerado tratamento contra câncer.
Estudos sobre o tema não são conclusivos
A médica da Sboc explica que existem estudos de laboratório in vitro que testam o potencial de inibição de células tumorais com antiparasitários. Além disso, há estudos que utilizam ratos expostos aos medicamentos em determinadas situações. Mas como explica Laperche, o que funciona em células e ratos na maioria das vezes não funciona em humanos.
“O que a gente precisa entender é que a transposição desses dados para modelos humanos, na imensa maioria das vezes, não mostra a mesma eficácia porque as interações são muito mais complexas”, explicou.
Segundo Danielle Laperche, estudos de fase 2 ou 3, em que os pacientes são testados com a droga em investigação comparada com o tratamento padrão, não mostraram nenhum benefício real na vida dos pacientes testados.
A especialista enfatiza que, por ser uma questão experimental, não há indicação clínica de uso de medicamentos antiparasitários como tratamento de câncer.
“Nesse cenário ainda está muito distante de ter qualquer validação clínica que sustente o seu uso para os médicos e pacientes”, disse.
Parasitas e tumores utilizam uma via metabólica em comum?
A médica Danielle esclarece que a alegação de uma via metabólica comum entre células tumorais e parasitas é “muito simplista”. O metabolismo são as reações químicas que ocorrem nas células. Uma dessas reações é a transformação de glicose (açúcar) em energia.
De acordo com Danielle, há quem defenda que as células do câncer e parasitas utilizam primordialmente a glicose para a produção de energia. Nessa lógica, um medicamento que inibisse essa via da glicose em parasitas poderia ter o mesmo efeito em tumores cancerígenos.
Ocorre que as células tumorais modificam seu metabolismo para sobreviver e crescer, utilizando diferentes vias energéticas. Além da glicose, essas células podem usar a glutamina (um aminoácido) e lipídios como fontes alternativas de energia. Vale dizer que essa alteração do metabolismo é apenas uma das características do câncer, uma doença complexa.
“A ideia de que seria possível controlar o câncer majoritariamente por essas intervenções no metabolismo, com certos esquemas de dieta ou drogas fora de indicação, é vista como marginal, não comprovada e simplista diante da complexidade que é comprovada em diversos estudos”, disse.
O Instituto Nacional do Câncer (Inca) informa que a doença é multifatorial. Segundo a entidade, as causas são externas (presentes no meio ambiente) e internas (hormonais, condições imunológicas ou genéticas). Ainda segundo o Instituto, 80% a 90% dos casos de câncer estão associados a causas externas.
Quem é Thomas Seyfried?
Thomas N. Seyfred é professor de biologia na Boston College, uma universidade nos Estados Unidos. Ele é o autor do livro “Câncer como doença metabólica” (traduzido para o português), em que ele difunde a teoria de que o câncer seria resultado de uma desregulação metabólica.
No âmbito da pesquisa, a médica do Sboc esclarece que essa é uma tese válida para levantar hipóteses e ser alvo de estudos, mas que ainda não é suficiente para prescrever, por exemplo, remédios fora de indicação para o tratamento do câncer.
“As teses do Dr. Seyfried têm um nicho entre defensores de abordagens alternativas e complementares, mas não tem respaldo para substituir o tratamento padrão em oncologia”, afirmou.