Jards Macalé, morto nesta segunda-feira (17), aos 82 anos, teve uma relação de amizade com dois dos principais nomes da arte brasileira.
Ele participou ao lado de Caetano Veloso das sessões de “Estruturação do Self” comandadas por Lygia Clark. Criado pela artista plástica, esse método de terapia se utilizava de elementos como pedras e sacos plásticos, então chamados “Objetos Relacionais”.
“A experiência que tive com ela se compara a uma viagem de ácido; ela era uma bruxa, uma feiticeira”, disse Macalé sobre a experiência.
O músico, que participou durante dois anos da terapia, contou que a artista refletia sobre o vazio das pessoas. “Um dia, ela me disse: ‘quando você se sentir vazio, não lute contra o vazio. Aos poucos você vai ser preenchido até voltar ao normal criativo. Isso ficou como uma oração para mim.'”
A relação dos dois extrapolou as sessões de terapia e foi para o âmbito pessoal. Ele, por exemplo, levou a artista para ir a uma apresentação de Tom Jobim e Vinicius de Moraes com sua mãe.
Macalé também teve uma relação de amizade com Hélio Oiticica, outro expoente da arte brasileira.
“Ele me influenciou pelo conceito de arte que tinha. Arte é invenção e liberdade”, diz Macalé, em entrevista para o documentário “Macaléia”, dirigido pela cineasta Rejane Zilles, mulher do compositor.
Em 1978, Oiticica fez a ambientação de uma festa de Macalé, transformando qualquer objeto encontrado no caminho em peça artística. Na volta para casa, pensou em criar uma instalação para o amigo, que se chamaria “Macaléia”, ecoando a mania de chamar todo mundo pelo feminino.
A instalação é toda formada por telas, daquelas usadas em janelas, em branco, vermelho, azul e amarelo. A multiplicidade cromática causa uma ilusão de ótica, como se a obra imprimisse vários olhares para ela própria.
Como lembra o curta, os dois tinham amigos em comum e trabalharam, pela primeira vez, em 1970, num show de Gal Costa. Macalé era o diretor artístico, e Oiticica, o diretor cenográfico. No mesmo ano, o disco “Legal”, da cantora baiana, reproduzia a mesma dupla do show. Macalé fez os arranjos, enquanto Oiticica cuidou da arte da capa.
Macalé também estabeleceu uma ampla ligação com o cinema. Além de ter composto a trilha sonora de filmes de Nelson Pereira dos Santos, ele atuou em títulos do cineasta como “O Amuleto de Ogum” e “Tenda dos Milagres”. Ele também foi o responsável por trilhar filmes como “Macunaíma”, do diretor Joaquim Pedro de Andrade, entre outros títulos.
Também foram produzidos diferentes filmes a seu respeito. Em 2008, foi lançado o documentário “Jards Macalé – Um Morcego na Porta Principal”, descrito como uma trajetória “nada linear” a respeito do artista. Quatro anos mais tarde foi a vez de “Jards”, documentário de Eryk Rocha que celebra a vida do multiartistas.