A empresa de recrutamento portuguesa Randstad realizou um estudo sobre o mercado de trabalho depois dos 55 e a conclusão é preocupante: um em cada cinco trabalhadores portugueses tem entre 55 e 64 anos, e por cada dez que saem do mercado de trabalho apenas entram sete
A população portuguesa é uma das mais envelhecidas da União Europeia e à nossa frente só a Itália. De acordo com a Pordata, por cada 100 jovens há mais de 190 idosos. Um estudo da empresa de recrutamento portuguesa Randstad divulgado esta terça-feira aponta para que, em 2050, quase metade da população portuguesa tenha mais de 55 anos. E isso mostra que é preciso mudar a mentalidade das empresas portuguesas e apostar na contratação e na requalificação do talento sénior, fundamental para a sustentabilidade da economia nacional.
“É inegável que o nosso país tem uma população mais envelhecida e isso traduz-se naquilo que vai ser a população ativa. A reforma antecipada desta mão de obra seria uma grande perda de know-how. É altamente improvável que consigamos manter a competitividade a longo prazo, se não valorizarmos o talento sénior, porque o cenário demográfico é alarmante”, diz à CNN Portugal Érica Pereira, diretora da Randstad.
De acordo com o estudo, a população entre os 55 e os 64 anos representa, atualmente, 24% da população empregada e 19,6% da população ativa. A taxa de atividade desta faixa etária é de 71,4% e a taxa de emprego é de 67,6%, 11 pontos percentuais acima da população geral. A taxa de desemprego é de 5%, 1,4 pontos percentuais inferior à média do país.
O crescimento da população sénior ativa tem subido em média 4,8% ao ano, entre 2014 e 2024. Por outro lado, continua a ser nos seniores que o desemprego de longa duração é mais preocupante: um em cada quatro desempregados de longa duração tem mais de 55 anos.
O idadismo ainda é uma realidade
E isso acontece, explica Érica Pereira, porque ainda há resistência das empresas em contratar mão de obra sénior. “Do ponto de vista de recrutamento, continuamos, infelizmente, a ter empresas que estão a apostar no rejuvenescimento das suas equipas. Apesar de sabermos que é ilegal excluir alguém com base na idade, ainda há empresas que nos pedem, para determinados projetos, pessoas mais jovens”, revela a responsável.
Érica Pereira defende que ainda há um grande preconceito a derrubar em relação aos trabalhadores mais velhos. As empresas continuam a achar que “os trabalhadores seniores não se vão adaptar tecnologicamente, vão ter vícios e vão ser menos capazes de se adaptarem a novos métodos de trabalho”. Além disso, os líderes das empresas ainda acham que a mão de obra sénior vai ficar mais cara, “porque vão ter de pagar salários mais elevados e ter mais custos de saúde”, exemplifica.
“Muitas empresas ainda têm o tal preconceito de que a formação deve ser para o talento mais jovem, numa ótica de investimento a longo prazo. De que me adianta investir na formação de um trabalhador que daqui a dez anos está fora do mercado? Ainda continua a ser este o pensamento de muitas empresas”, acrescenta Érica Pereira.
A responsável da Randstad vai ainda mais longe: “Em Portugal, há um longo caminho ainda pela frente, para ser entendido por parte das empresas, que têm de mudar. E tem de haver uma coordenação entre as empresas, o Estado e a sociedade.”
“Vai ter de existir uma simultaneidade e interdependência destes três fatores: empresas, Estado e sociedade. Sendo que a mudança cultural vai ser decisiva no sucesso dos outros dois fatores”, sublinha.
Érica Pereira adianta que “algumas empresas e multinacionais já empregam algumas métricas na estratégia de recursos humanos, mas muitas ainda não perceberam o desafio”. “A velocidade desta mudança é muito lenta em relação ao envelhecimento populacional. Tem de se criar medidas de incentivos fiscais para as empresas e as empresas têm de adotar medidas como promoção das aprendizagens mútuas, trabalho flexível e wellbeing, políticas de formação para a inclusão para os líderes ou benefícios ajustados ao trabalhador e à sua realidade”, defende.
Os “mimimis” da Geração Z
Um estudo levado a cabo pela Intelligent.com, divulgado em setembro, mostra que muitas empresas norte-americanas despediram trabalhadores da Geração Z poucos meses após contratá-los e que há muitos empresários hesitantes em contratar recém-formados devido a preocupações com a sua ética de trabalho, habilidades de comunicação e preparação para o cargo.
De acordo com o estudo, seis em cada dez empregadores afirmaram ter dispensado recém-formados este ano, enquanto um em cada sete afirmou que está inclinado a evitar a contratação de recém-formados no próximo ano. A investigação mostra que as empresas se estão a virar de novo para o talento sénior, porque começam a não ter “paciência” para lidar com as exigências da Geração Z, que quer melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional e valoriza mais a saúde física e mental e, para isso, exige maior flexibilidade laboral e maior estabilidade.
Érica Pereira diz que, em Portugal, essa realidade ainda não se verifica. “Pelo menos não é essa a justificação apresentada pelas empresas para contratarem talento sénior”, assegura.
“Eu contrato pelas competências técnicas e despeço pelas competências comportamentais. Pode ser muito bom do ponto de vista técnico, mas se criar mau ambiente de trabalho, desmotiva os outros, não acrescenta valor. Fazemos isto para fora e para dentro. Fazemos isto quando contratamos para a Randstad ou para os nossos clientes”, garante.
Érica Pereira considera também que “as exigências e falta de compromisso que são apontados à Geração Z são, na verdade, uma nova ética de trabalho”. Não são apenas os chamados ‘mimimis’, como muitos gostam de lhes chamar.
A responsável da Randstad considera mesmo que a ideia de que os jovens são uns “privilegiados” no mundo do trabalho não é exatamente uma realidade. “Esta luta por um contrato sem termo e por melhores salários e melhores condições de trabalho também existe por parte dos jovens. Temos uma imagem de que é uma geração privilegiada, que acaba por ser um contraste com a realidade de instabilidade e precariedade que existe para os mais jovens. É a geração que mais se depara com falsos recibos verdes, contratos a termo, precariedade”, defende.
Mas são os jovens que “estão a redefinir a relação entre o trabalhador e o trabalho em si”.