Um tribunal do Bangladesh condenou à morte a ex-primeira-ministra Sheikh Hasina por crimes contra a humanidade na repressão violenta dos protestos desencadeados por estudantes que levaram à sua deposição no verão de 2024. Na reação, Sheikh Hasina considerou que “as motivações (da sentença) são políticas” e que o julgamento foi “uma farsa”.
“Todos os elementos que constituem crimes contra a humanidade estão presentes. Nós decidimos impor apenas uma sentença: a pena de morte”, declarou Golam Mortuza Mozumder, juiz do tribunal de Daca, esta segunda-feira. No tribunal, os familiares dos manifestantes mortos acolheram a sentença com aplausos e lágrimas nos olhos, relata a imprensa internacional.
A condenação, à revelia, por um coletivo de três juízes do tribunal penal do país refere crimes como o incitamento à violência, ordens para matar civis desarmados e omissão de socorro durante as manifestações antigovernamentais que foram desencadeadas por estudantes, mas que ganharam âmbito nacional e foram reprimidas com “drones, helicópteros e armas letais”, depois de Hasina ter chamado “terroristas” aos manifestantes. O ex-ministro do Interior Asaduzzaman Khan Kamal, em fuga, também foi condenado à morte.
Veredicto “predeterminado”
Em comunicado, Sheikh Hasina, de 78 anos, já contestou a legitimidade do tribunal que a condenou: “As sentenças anunciadas contra mim foram decididas por um tribunal ilegal, nomeado e presidido por um Governo que não foi eleito e não tem mandato democrático”, afirmou. “Este veredicto de culpada foi predeterminado. Não tenho medo de enfrentar os meus acusadores perante um tribunal imparcial, no qual as provas possam ser vistas de forma honesta”, acrescentou.
Anteriormente, em declarações à comunicação social, a ex-primeira-ministra considerou “todas as acusações infundadas”. As gravações apresentadas pela procuradoria, sugerindo que teria autorizado o uso de “armas letais” contra os manifestantes, foram “retiradas do contexto”, afirmou, antecipando que o veredicto de culpada já estava “predeterminado” num processo “claramente com motivações políticas”.
Estudantes pedem a demissão da primeira-ministra Sheikh Hasina a 4 de agosto
MONIRUL ALAM/EPA
Sheikh Hasina, que fugiu para a Índia em agosto de 2024, depois de 15 anos no poder, estava a ser julgada à revelia desde junho e sempre negou as acusações, mas o tribunal considerou-a culpada pela repressão dos protestos antigovernamentais de julho e agosto do ano passado em que morreram mais de 1400 pessoas, a maioria civis, e 25 mil ficaram feridas, de acordo com a Organização das Nações Unidas. A Índia, onde se exilou, ignorou todos os pedidos de extradição apresentados pelo Bangladesh para que Hasina estivesse presente em tribunal.
Mais acusações
Num país que vive sob tensão política e tem eleições legislativas dentro de três meses, a decisão era aguardada com expectativa e a sentença levou ao reforço das medidas de segurança: A polícia da capital foi colocada em alerta máximo.
O partido de Sheikh Hasina, a Liga Awami, venceu as últimas legislativas, no início de 2024, mas foi deposto pelo atual Governo interino do Bangladesh, liderado pelo Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus. Nas próximas eleições, a Liga Awami está impedida de concorrer e as autoridades receiam mais agitação nas ruas antes da votação.
Sheikh Hasina é também alvo de inúmeras denúncias sobre vários assassínios e raptos ao longo dos seus mandatos, por parte dos seus adversários políticos e organizações não-governamentais, e enfrenta um processo por corrupção. De acordo com a investigação de uma comissão de inquérito, o seu Governo ordenou o desaparecimento de mais de 250 membros da oposição.
Filha de Sheikh Mujibur Rahman, líder da independência nacional e primeiro Presidente do país, Hasina foi para o exílio com a sua irmã depois do golpe militar que matou os pais e três irmãos em 1975, tendo regressado ao Bangladesh em 1981 para presidir à Liga Awami. Tornou-se primeira-ministra pela primeira vez em 1986, voltou ao poder em 2008 e protagonizou a liderança mais longa da história do país, entre atentados e acusações de sufocar a oposição, controlar as instituições e permitir abusos generalizados das forças de segurança.