ZAP // Spencer Selover / Pexels; crytallight / Depositphotos

Cresce o apetite no Silicon Valley pela prática legalmente duvidosa e moralmente condenável da edição de embriões. “A forma de a vender ao mundo é através da prevenção de doenças… e mostrando que se consegue fazê-lo”. Mas provavelmente até  já está feito.

Apesar das proibições legais, vários empresários de Silicon Valley estão a avançar em força com a controversa tecnologia de edição genética de embriões, que levanta preocupações éticas sobre o futuro do aperfeiçoamento genético e o acesso equitativo à biotecnologia.

Segundo o The Wall Street Journal, duas proeminentes startups lideram esta investida de gigantes tecnológicas na corrida ao primeiro bebé desenhado geneticamente.

A Preventive, sediada na Califórnia e apoiada por investidores como o CEO da Coinbase, Brian Armstrong, e o CEO da OpenAI, Sam Altman, terá já alegadamente identificado potenciais clientes, embora a empresa, cujo lema é “prevenir a doença antes do nascimento”, desminta esta afirmação.

Também a Manhattan Genomics, co-fundada por Cathy Tie, antiga beneficiária do programa de bolsas de Peter Thiel, e a quem a Nature chama “Biotech Barbie“,  está a avançar em investigação semelhante a partir de Nova Iorque. Entretanto, Tie tem estado a treinar com coelhos fluorescentes e unicórnios

A tecnologia é baseada em ferramentas de edição genética CRISPR, que permitem remover características genéticas indesejadas de embriões, espermatozóides ou óvulos.

As duas empresas promovem esta abordagem como um método eficaz de eliminar doenças genéticas devastadoras como a anemia falciforme, e potencialmente melhorar os sistemas imunitários das gerações futuras. Contudo, esta prática enfrenta obstáculos legais significativos.

As leis federais norte-americanas, que proíbem a edição de embriões nos Estados Unidos, restringem o financiamento da investigação, a aprovação clínica para embriões editados e até o uso de instalações ou equipamentos federais para conduzir pesquisas nesta área.

Para contornar estas restrições, as empresas estão a deslocalizar a sua investigação para fora dos EUA: a Preventive está a avaliar oportunidades nos Emirados Árabes Unidos, enquanto a Manhattan Genomics planeia conduzir investigação nas Honduras.

Esta estratégia permite a empresas com sede nos Estados Unidos servir clientes norte-americanos enquanto realizam os seus procedimentos técnicos em jurisdições mais permissivas.

Atualmente, nenhum país permite explicitamente a edição genética hereditária de embriões que resulte em nascimentos. Algumas nações, incluindo a China e o Reino Unido, permitem aplicações de investigação enquanto proíbem rigorosamente o uso reprodutivo.

O único caso documentado de embriões editados ocorreu na China. Em 2018, o  cientista chinês He Jiankui afirmou ter criado os primeiros bebés geneticamente manipulados do mundo — duas gémeas, Lulu e Nana, cujo ADN disse ter alterado através de  tecnologia capaz de reescrever o ‘mapa da vida’.

A sociedade decidirá o que fazer a seguir“, disse na altura o cientista chinês. Aparentemente, decidiu seguir a lei e condená-lo a 3 anos de prisão.

Além das barreiras legais, a indústria dos super-bebés enfrenta importantes desafios científicos e éticos.

Apesar dos avanços tecnológicos na área, a edição genética é ainda imprecisa, e com potencial para resultar em consequências não intencionais que poderiam prejudicar em vez de ajudar os beneficiários.

Segundo adverte Arthur Caplan, professor de bioética da Universidade de Nova Iorque, “não se pode matar ou deformar um bebé apenas porque se esperava torná-lo um melhor violinista”.

Num futuro em que as barreiras legais e as preocupações científicas tivessem sido ultrapassadas, uma outra preocupação se levantaria: a desigualdade de acesso a esta tecnologia.

Os dispendiosos procedimentos provavelmente estariam disponíveis apenas para famílias abastadas, criando potencialmente vantagens genéticas para as elites económicas enquanto deixam outros para trás. Esta disparidade poderia exacerbar as desigualdades sociais já existentes, através de meios biológicos.

Finalmente, muitos críticos apontam que o desenvolvimento desta tecnologia é um caminho escorregadio em direção à eugenia — conjunto de crenças e práticas amplamente desacreditadas que visam melhorar a qualidade genética da população humana.

Segundo o WSJ, Brian Armstrong teria sugerido à Preventive que conduzisse investigação em segredo, e apresentasse o facto consumado: um bebé saudável geneticamente modificado que choque o mundo e leve à aceitação da prática.

Os representantes de Armstrong negam que o CEO da Coinbase tenha feito tal recomendação. Mas na verdade, há uma probabilidade não nula de que algures num laboratório fora dos EUA já tenha nascido o primeiro super-bebé do mundo.


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