Alexandra Machado — Luís Marques Mendes estava no seu espaço. Passou anos naquele estúdio, com aquela moderadora (Clara de Sousa) e até naquele lado da mesa. Em algumas alturas Marques Mendes pareceu até que voltou a esses tempos e parece até um pouco estranho Marques Mendes ter tantas vezes puxado pelo seu galão da experiência. Estava perante António Filipe, com experiência política, local e parlamentar (não tem de facto a experiência governativa).

O debate foi equilibrado e civilizado. Dois candidatos em pólos diferentes, mas um verdadeiramente candidato a Presidente, outro a colocar-se como dirigente do PCP. Por temas. Na legislação laboral, António Filipe acabou a dizer que, no final do dia, acabaria por ser “obrigado a promulgar”, depois de esgotados os expedientes – e até introduziu a necessidade do Presidente escrever ao Parlamento para usar a sua magistratura de influência (Marques Mendes acabou, mais à frente, por dizer também que é preciso usar mais essa figura). Mas enquanto candidato a Presidente, António Filipe colocou-se num lado: “Sou o candidato dos trabalhadores”. Marques Mendes foi mais cauteloso, e voltou a dar o puxão de orelhas ao Governo que hostilizou a UGT. Marques Mendes chamou a UGT para a resolução do conflito. O candidato à direita, neste tema, perdeu quando erradamente disse que a CGTP nunca tinha assinado um acordo social, colocando esta central sindical também de lado.

Marques Mendes tentou sempre colar António Filipe à “facção” comunista. Num outro tema, o do 25 de novembro, Marques Mendes tinha espaço para sair por cima, mas defendeu a participação na cerimónia de forma “branda”. António Filipe foi também mais assertivo no que faria em eventual deriva totalitária no país.

António Filipe quis levar o tema da venda da TAP ao debate, no dia em que houve buscas por causa da privatização de 2015, e tentando assim contestar essa venda e todas as outras de todas as empresas públicas… Não saiu bem. Já Marques Mendes ganha pontos quando, mesmo a terminar o debate (levava o tema engatilhado), confrontou António Filipe com o tema Ucrânia.

Estando a falar para eleitorados diferentes, o debate acabou por ser equilibrado. Marques Mendes era verdadeiramente o candidato presidencial e talvez por isso tenha acusado um pouco essa responsabilidade.

Pedro Jorge Castro — Estão a correr em pistas diferentes e nota-se. António Filipe só precisa de cortar a meta a 18 de janeiro sem envergonhar o PCP, mantendo a chama da luta viva perante os cada vez menos camaradas que resistem. Marques Mendes tem de suar tudo para chegar penteado e cheio de genica — e tentar continuar a dar mais uma volta à pista. E mostrou que está em forma para isso.

Tinha muito a perder: basta uma gaffe ou um deslize para pôr em causa as suas hipóteses. Acabou por ganhar, com golpes fatais que desferiu em António Filipe, na falta de sentido de Estado em relação à forma como se pronuncia sobre o código laboral, a celebração do 25 de novembro e a guerra na Ucrânia (deixando o oponente a gaguejar sibilantes quando lhe perguntou se apelava a Putin para recuar na invasão ao país de Zelensky).

A única coisa que não correu bem a Marques Mendes — neste cenário com Clara de Sousa — foi fazer lembrar os seus anos de comentador, o que pode repelir quem não queira agora um Presidente parecido com Marcelo. Mas em comparação com o duelo da véspera foi um debate que decorreu com tanta elevação que até António Filipe merece nota positiva pela forma.

Miguel Santos Carrapatoso — Realisticamente, Luís Marques Mendes é de facto candidato à Presidência da República; António Filipe não é. O social-democrata tem uma missão: aproveitar o vento que sopra a favor da AD e crescer a partir daí. O comunista tem outra tarefa: impedir a implosão do PCP. O verdadeiro adversário de Marques Mendes é Henrique Gouveia e Melo; o verdadeiro adversário de António Filipe é o centrismo de António José Seguro. Tudo somado, um e outro conseguiram os objetivos a que se propunham. Mendes conseguiu apelar ao grande centrão sem arrepiar muito a direita — a forma como defendeu o 25 de Novembro foi especialmente bem conseguida. António Filipe mostrou-se um homem convictamente de esquerda e com a cabeça no sítio onde a esquerda deve ter a cabeça: na vida real das pessoas. Viu-se vítima de um xeque-mate na questão da Ucrânia porque, enfim, o PCP não consegue sair dali. Chega a ser confrangedor. Quanto à forma, Luís Marques Mendes provou o porquê de não poder ser subestimado — os anos de televisão dão outra tarimba. “Dança como uma borboleta e pica como uma abelha.” António Filipe, por sua vez, mostrou-se capaz de defender as suas ideias sem nunca passar a linha da intolerância democrática — veja-se a forma racional como abordou a questão que tanto tem animado uma parte da esquerda pueril sobre dar ou não posse a um governo do Chega. O povo é soberano, lembrou o comunista aos, porventura, mais distraídos candidatos da esquerda. Foi um bom jogo de aquecimento para ambos. Mendes só será verdadeiramente testado com André Ventura e Cotrim de Figueiredo e terá de ser claramente superior a Gouveia e Melo. António Filipe terá de derrotar Catarina Martins e Jorge Pinto e tentar puxar António José Seguro para o campo da esquerda. Não têm caminhos fáceis.

Rui Pedro Antunes — Marques Mendes e António Filipe não disputavam votos, mas mostravam-se pela primeira vez aos respetivos eleitorados. E, nos debates, como na política, não há uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão. O candidato apoiado pelo PSD foi o mais seguro, mostrando uma confiança típica de quem jogava em casa. E, de facto, jogava. O estúdio de televisão é o seu habitat natural como político (onde teve mais sucesso do que na vida político-partidária) e isso ficou absolutamente claro. Neste debate até houve a coincidência de a mesa e a moderadora ser a mesma que o acompanhou no passado como campeão de audiências ao domingo. Foi um bom teste de ensaio para enfrentar os adversários que tem, necessariamente, de bater em canal aberto. Além disso, António Filipe até foi eficaz a colar Mendes ao Governo, mas o ex-líder do PSD nada fez para se afastar dessa imagem. E bem: ser o “candidato do Governo”, como acusou o comunista, é neste momento uma vantagem. Até o tema da cerimónia do 25 de Novembro não podia ter corrido melhor para Marques Mendes, que pôde jogar em dois tabuleiros: por um lado piscar o olho à direita ao defender a cerimónia; e, por outro, ao hierarquizar o 25 de Abril como a data mais importante, não afastando o centro-esquerda. Nessa matéria, António Filipe até disse algo desnecessário e que irritará muitos dos militantes mais ortodoxos do PCP: que tem como apoiante um subscritor do Documento dos 9. Mas o knock out final de Mendes a António Filipe foi quando chegou o tema da Ucrânia, reduzindo desde logo o argumento de António Filipe sobre o conflito ao de miss mundo: “A paz queremos todos”, atirou Mendes. E, de seguida, com habilidade política, o social-democrata conseguiu colocar o comunista a recusar-se a fazer um apelo a Putin para sair da Ucrânia. António Filipe até pode ter razão ao dizer que esse é um “apelo simplista” — já que é política e militarmente inviável a Rússia sair de certas áreas ultra pró-russas do Donbass — mas o candidato apoiado pelo PSD atingia o objetivo de colocar o adversário do lado de Moscovo. O comunista não terá, é certo, perdido nenhum voto comunista. Nem teve sequer uma noite desastrosa. Mas há pouco por onde crescer, além de a esquerda estar fragmentada em várias opções, do BE a Seguro. A juntar a isso, o comunista fez pouco para se afastar de alguma dialética anacrónica que prejudica o PCP. Apanhou Mendes a faltar à verdade (sobre a CGTP), mas nem isso beliscou uma vitória clara do social-democrata.