A Ryanair vai encerrar todos os voos para os Açores a partir de março de 2026, alegando as elevadas taxas aeroportuárias e “a inação do Governo”, anunciou esta quinta-feira a companhia aérea de baixo custo. A decisão provocou, entretanto, uma onda de reações, com o Governo Regional e o Governo da República a manifestarem “surpresa” perante o comunicado.
Também o presidente da Visit Azores, responsável pela promoção turística dos Açores, afirma que o anúncio da saída da Ryanair é uma “forma de pressão negocial”, alertando que o processo não está “completamente fechado”.
A Ryanair argumenta que “infelizmente, o monopólio da ANA não tem qualquer plano para aumentar a conectividade de baixo custo com os Açores”, acrescentando que a ANA “não enfrenta concorrência em Portugal — o que lhe permitiu obter lucros monopolistas, aumentando as taxas aeroportuárias portuguesas sem qualquer penalização — numa altura em que aeroportos concorrentes noutros países da UE estão a reduzir taxas para estimular o crescimento”.
A companhia defende que o Governo “deve intervir e garantir” que os aeroportos nacionais, “uma parte crítica da infraestrutura nacional, especialmente numa região insular como os Açores, sirvam para beneficiar o povo português e não um monopólio aeroportuário francês”.
Questionada pela Lusa, fonte oficial da ANA destacou que “a declaração da Ryanair constitui uma surpresa, sendo as recentes conversas com a companhia irlandesa orientadas no sentido de aumentar, e não reduzir a sua oferta de voos para Ponta Delgada”.
O anúncio, porém, é visto pela Vist Azores apenas como uma forma de pressão. Com “este tipo de comunicado da Ryanair, nós, infelizmente, já estamos habituados. É a forma como fazem a sua pressão negocial dentro das conversações que vão fazendo nas regiões onde atuam”, afirmou o presidente do conselho de administração da Visit Azores à agência Lusa.
Luís Capdeville Botelho adiantou que a associação “mantém o contacto” com a Ryanair e insistiu que a posição da companhia aérea de baixo custo é uma forma de “fazer pressão” junto da ANA e do Governo da República.
“Ainda hoje já tive oportunidade de falar com eles [Ryanair]. É como lhe disse. É uma forma de fazer pressão sobre a ANA – Aeroportos relativamente às taxas e ao Governo central com as taxas que vêm por obrigação da União Europeia. Nada mais do que isso”, avançou.
Luís Capdeville Botelho lembrou que, em setembro, a Ryanair também emitiu um comunicado a anunciar a intenção de “reabrir a base em Ponta Delgada” e realçou que a saída da companhia dos Açores não é um processo “completamente fechado”.
“É apenas uma forma e uma ferramenta que utilizam na negociação, porque, na verdade, continua-se a conversar com a companhia. Não está completamente fechado”, adiantou.
Ressalvando tratar-se “apenas de uma posição negocial”, o responsável pela associação que gere a promoção turística dos Açores considerou que o mercado tem capacidade para se “adaptar à procura” mesmo num “cenário mais catastrófico”.
Capdeville Botelho recordou que no inverno em 2023, quando a Ryanair reduziu 65% da sua operação nos Açores, o arquipélago registou um “crescimento de dormidas e hóspedes”.
“É uma forma de pôr pressão cá fora. Especialmente nesta altura do ano. Não será inocente o timing da comunicação. Acho que não é motivo, neste momento, de real preocupação. É apenas uma forma de fazer pressão num momento específico do ano”, reforçou.
A Secretaria Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas dos Açores também confirma que, “de acordo com a informação disponível à data, a Visit Azores está ativamente empenhada e a manter contactos diretos e regulares com a Ryanair, pelo que o comunicado emitido hoje é entendido como extemporâneo”.
A Secretaria Regional adianta que o comunicado “contraria, inclusivamente, notícias e declarações recentes do CEO da companhia em que afirmava a vontade de investir nos Açores e reativar a base operacional em Ponta Delgada”.
Em setembro, o presidente executivo da Ryanair, Michael O’leary, anunciou, em Lisboa, quatro novas rotas em Portugal para o inverno (que têm como origem Porto, Faro e Funchal) e, de acordo com algumas notícias, a companhia — que tem quatro bases nos aeroportos portugueses (Porto, Lisboa, Faro e Madeira) —, já tinha pedido a reabertura da base em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel.
A operadora tinha já ameaçado anteriormente abandonar as rotas dos Açores, que ligam Lisboa e Porto às ilhas de São Miguel e Terceira, e em 2023 reduziu o número de voos nestes percursos.
A Secretaria Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas “mantém-se expectante relativamente ao trabalho que está a ser desenvolvido pela Visit Azores, reconhecendo que decorre um complexo processo de interação, que envolve várias entidades”.
Segundo o Governo dos Açores, “há, hoje, como já aconteceu em situações passadas, questões alegadamente relacionadas com taxas aeroportuárias e ETS alheias à região”.
Também o Governo da República manifestou “surpresa” com argumentos da Ryanair, lembrando que a taxa desta rota é a mais baixa da Europa e que a companhia recebeu dezenas de milhões de euros em incentivos.
Em resposta escrita à Lusa, fonte oficial do Ministério das Infraestruturas afirmou que não podem “deixar de expressar surpresa face às afirmações transmitidas pela companhia aérea”.
O ministério liderado por Miguel Pinto Luz contrapôs que “a taxa de rota aplicada aos Açores é a mais baixa da Europa e que a taxa de terminal se situa entre as mais reduzidas”.
Outra reação entretanto conhecida foi a do presidente da Associação do Alojamento Local dos Açores (ALA), que manifestou “muita preocupação” com o anúncio, e diz esperar que “a notícia seja uma tentativa de pressão junto do Governo”.
“Vemos este anúncio com muita preocupação. E esperamos que esta notícia seja uma tentativa de pressão junto do Governo e não uma ação clara que faça, e que terá com certeza, impacto muito grave na economia dos Açores”, afirmou o presidente da Associação do Alojamento Local dos Açores (ALA), João Pinheiro, à agência Lusa.
“Vivemos muito dos nossos hóspedes que fazem as reservas diretas (…) e a Ryanair é um parceiro ativo do Alojamento Local dos Açores”, vincou João Pinheiro.
Para demonstrar a importância daquele setor, o presidente da ALA assinalou que “só o Alojamento Local já contribui com mais de 7% para o PIB regional”.
“A grande maioria dos nossos hóspedes vêm desta companhia [Ryanair]. E isso pode ser um retrocesso para a evolução que estamos a sentir no turismo e na própria economia dos Açores, que só por si já é frágil”, alertou à Lusa o responsável.