Cinquenta anos depois da morte do ditador espanhol Francisco Franco, quase um quarto dos jovens espanhóis acredita que um regime autoritário pode ser preferível a uma democracia em determinadas circunstâncias. É o retrato que traça uma sondagem da 40dB para o El País e a Cadena Ser, publicada esta quarta-feira: há uma geração inteira que não viveu a repressão franquista a reabilitar a imagem do ditador.
Ainda que quase três em quatro espanhóis acreditem que a democracia é preferível a qualquer outra forma de Governo, são os jovens que mais destoam. Uma percentagem considerável da Geração Z (entre 18 e 28 anos) e dos millennials (29 a 44) disse acreditar que “às vezes, um regime autoritário pode ser preferível”, quase 24% no primeiro caso e 23% no segundo.
Olhando para as respostas dos mais jovens, percebe-se, também, que quase metade dos inquiridos da geração Z e dos millennials não são capazes de dizer quanto tempo durou a ditadura franquista (de 1939 a 1975) e a mesma percentagem não sabe como morreu o poeta e dramaturgo Federico García Lorca, assassinado por nacionalistas.
As conclusões são retiradas de um inquérito online a que responderam mais de 2000 pessoas, a maioria delas jovens. No entanto, o desconhecimento não vem necessariamente do facto de não se falar deste assunto nas escolas — 28,2% dos inquiridos da Geração Z e 28,1% dos millennials admite ter aprendido sobre este assunto. O tema é obrigatório pelo menos desde 2022, quando entrou em vigor Lei da Memória Democrática, mas não é consensual, com várias comunidades associadas ao Partido Popular a descreverem este tipo de educação como “doutrinamento”.
É impossível ignorar o contexto em que surge esta reabilitação da imagem de Francisco Franco junto dos jovens, dos que não viveram a sua repressão. O El País, em reportagem numa escola da região de Madrid, falou com professores que notam uma grande simpatia, interesse e admiração pelo ditador junto dos seus alunos — que se manifesta em coisas simples como o uso de pulseiras com a bandeira de Espanha e interpretações de músicas falangistas, a mais conhecida sendo Cara al Sol.
Ouvido pelo mesmo jornal, o analista político Antonio Gutiérrez-Rubí, ensaia algumas explicações: a insatisfação com a situação de vida actual, o sentimento anti-sistema e a influência das redes sociais. Os jovens “não justificam a tortura nem a repressão, mas para alguns Franco deixou de ser um ditador assassino e passou a ser uma personagem vilipendiada por um sistema no qual eles não confiam”, defende.
Deste lado da península, os números entre os jovens também mostram que 46,1% preferia um Governo de um líder forte sem eleições, de acordo com um estudo do ISCSP, da Universidade de Lisboa, publicado em 2024.
Eleitorado do Vox é o que mais simpatiza com o franquismo
É entre os mais jovens que a mensagem do Vox mais parece ressoar — o partido de extrema-direita é o primeiro na intenção de voto nesta faixa etária — e é entre os eleitores do Vox que se encontram mais simpatizantes do franquismo. Pelo menos 42% dos inquiridos (de todas as idades) respondeu dessa forma. Contrasta com a maioria da população espanhola (54,9%) que diz que o regime de Franco foi “mau” ou “muito mau”.
São os eleitores do Vox que mais dizem achar que o franquismo beneficiou mais a sua família do que a prejudicou. Tal como eles, também os eleitores do Partido Popular (PP) respondem assim.
É também entre o eleitorado destes dois partidos que se encontram mais inquiridos que consideram que a ditadura teve uma influência positiva na economia, educação, cultura, bem-estar, qualidade de vida e coesão social. E, no geral, o eleitorado de direita é muito menos crítico do franquismo do que a população em geral, aponta a sondagem.
Os políticos de direita não escapam a esta tendência geral. No Congresso, o Vox já tinha defendido que o Governo de Pedro Sánchez era o “pior em 80 anos” e, ainda esta quinta-feira, a autarca de Valência, María José Catalá, do PP, recusou condenar o regime franquista: “É uma etapa da nossa história que tem os seus pontos positivos e negativos”, cita a Cadena Ser.
Mostram os números que são principalmente os homens que mostram simpatia por este tipo de regime, especialmente entre os mais jovens. Abre-se uma brecha de género quando o tema é franquismo: em todas as gerações, as mulheres avaliam de forma pior a ditadura do que os homens.
O tema tem uma carga política tão forte que, apesar de o Governo ter preparado quase 500 eventos, espalhados ao longo de todo o ano, para assinalar o fim da ditadura e a transformação no país que se seguiu, não está programado nenhum acto oficial para esta quinta-feira. “Não estamos a celebrar a morte de Franco, mas o princípio do fim, o recuperar progressivo das liberdades”, disse Ángel Víctor Torres, ministro da Política Territorial e Memória Democrática, citado pelo El País.