Estudo descobriu que remédio para pressão arterial pode retardar progressão de câncer agressivoFoto: Reprodução/ND Mais
Um dos medicamentos mais antigos usados para controlar a pressão arterial pode ter uma função muito além da que já é conhecida. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia descobriram que a hidralazina, remédio prescrito para hipertensão e pré-eclâmpsia, pode ser capaz de retardar o avanço de tumores cerebrais agressivos. Os resultados foram publicados na revista Science em outubro deste ano.
A hidralazina existe há décadas. Ela é considerada um dos vasodilatadores mais usados para reduzir a pressão arterial e proteger gestantes em risco. No entanto, segundo o médico e cientista Kyosuke Shishikura, seu funcionamento molecular permanecia um mistério, mas que agora foi desvendado.
Como o remédio funciona
Antes de entender a descoberta da nova pesquisa, é preciso compreender como o remédio funciona. Segundo o estudo, o remédio bloqueia a atividade de uma enzima chamada 2-aminoetanotiol dioxigenase (ADO), responsável por detectar quedas de oxigênio no organismo e acionar respostas de emergência.
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A pesquisadora Megan Matthews, que integrou o núcleo de estudo, explica que o ADO funciona como um “alarme”. Quando o oxigênio diminui, a enzima ativa uma cascata bioquímica. Mas, ao se ligar ao ADO, a hidralazina “silencia” esse alarme. Isso evita a degradação de proteínas reguladoras importantes, conhecidas como RGS.
Hidralazina é usada no tratamento de pressão arterialFoto: Reprodução/ND Mais
Com elas preservadas, os vasos sanguíneos recebem o sinal para parar de se contrair, o que reduz a entrada de cálcio nas células, elemento central para a tensão das paredes vasculares. O resultado final é o relaxamento da musculatura lisa e a queda da pressão arterial.
O que o estudo descobriu?
Os cientistas observaram que a mesma enzima, ADO, também ajuda células de glioblastoma, que formam um dos tumores cerebrais mais agressivos, a sobreviver em ambientes com pouco oxigênio.
Pesquisas anteriores já haviam associado altos níveis dessa enzima ao comportamento mais resistente do câncer, mas ainda não existia um inibidor eficaz para estudá-la. A hidralazina acabou se mostrando a peça que faltava.
Para entender essa relação, o grupo uniu equipes de bioquímica e neurociência. Pesquisadores da Universidade do Texas usaram cristalografia de raios X para visualizar, em nível atômico, como o medicamento se prende ao núcleo metálico do ADO. Já especialistas da Universidade da Flórida testaram o impacto do remédio diretamente em células tumorais.
A hidralazina inibe enzima que ajuda células cancerígenas a sobreviveremFoto: Canva/ND
Os experimentos indicaram que bloquear o ADO não apenas interfere na contração dos vasos sanguíneos, mas também força as células de glioblastoma a entrar em senescência, um estado em que elas param de se dividir.
Esse efeito interrompe o crescimento do tumor sem provocar outras inflamações ou estimular mecanismos de resistência nas células cancerígenas, problema comum em tratamentos oncológicos.
Segundo Matthews, entender como a hidralazina atua pode abrir novas rotas terapêuticas. Além de oferecer caminhos para remédios mais seguros relacionados à hipertensão na gravidez, a descoberta também sugere que inibir o ADO de forma seletiva pode se tornar uma estratégia para frear tumores cerebrais.
O próximo passo, afirma a pesquisadora, é desenvolver moléculas específicas que atravessem a barreira hematoencefálica condição essencial para alcançar o tecido cerebral sem efeitos colaterais excessivos.
Além disso, a equipe continua trabalhando em compostos mais precisos e na avaliação de como medicamentos já conhecidos podem ter usos mais amplos do que se imaginava.