Numa entrevista exclusiva ao HealthNews, Leonor Matos, médica oncologista e investigadora na Unidade de Mama da Fundação Champalimaud, aborda um dado preocupante: quase metade das mulheres jovens com cancro da mama em Portugal são diagnosticadas em fases avançadas. A especialista explica os motivos por trás deste atraso, sublinha a importância da vigilância ativa e defende medidas urgentes para travar esta realidade, desde a literacia em saúde até à sensibilização de profissionais
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HealthNews (HN) – Os dados nacionais indicam que quase metade das mulheres jovens (18-35 anos) com cancro da mama são diagnosticadas em estádios avançados. Porque persiste este atraso no diagnóstico para esta faixa etária, que contrasta tanto com os avanços nos programas de rastreio para mulheres mais velhas?
Leonor Matos (LM) – Podemos identificar algumas razões que, conjugadas, ajudam a explicar estes dados. Primeiro, importa reconhecer que o Cancro de Mama na mulher jovem é distinto do cancro de mama em mulheres com idades mais avançadas, nomeadamente na pós-menopausa. Em idades jovens, verifica-se uma maior proporção de tumores com fenótipos agressivos e de pior prognóstico, o que pode traduzir-se em tumores de rápido crescimento que, quando detetados, são já avançados. Por outro lado, apesar de recentemente se ter antecipado a idade de início do rastreio de cancro de mama para os 45 anos, mulheres com idades inferiores estão muitas vezes menos despertas para a possibilidade de terem este tipo de diagnóstico o que pode levar à desvalorização de sinais e sintomas como um nódulo mamário, um corrimento mamilar ou inflamação da pele da mama, levando ao atraso no diagnóstico. Adicionalmente, existem fenómenos particulares desta faixa etária, como a gravidez ou amamentação, que produzem diversas alterações a nível mamário que podem levar a que um cancro de mama passe despercebido.
HN – Fala-se desta ser uma “geração esquecida” no que toca ao cancro da mama. Na sua prática clínica, quais são os maiores obstáculos que estas mulheres jovens enfrentam, desde os primeiros sinais até ao diagnóstico final?
LM – O cancro de mama em mulheres com menos de 40 anos representa cerca de 13% do cancro de mama diagnosticado em Portugal. Isto significa inevitavelmente que, perante sinais ou sintomas de novo de uma mulher de 35 anos a nível mamário, é fácil que o pensamento inicial do profissional de saúde a quem esta recorre, não seja a possibilidade de cancro de mama. Não raras vezes os diagnósticos são atrasados pelo baixo nível de suspeição que existe para a possibilidade uma mulher tão jovem ter cancro de mama e este é um obstáculo ao diagnóstico atempado. Mas sabemos que a incidência do cancro de mama em mulheres jovens está a aumentar cerca de 4% ao ano, e daí a importância das campanhas de sensibilização, que incorporem também imagens e relatos de mulheres jovens, bem como da promoção da literacia em saúde, que podem verdadeiramente salvar vidas.
HN – Devem levar uma mulher jovem a procurar um médico, mesmo que não tenha histórico familiar?
LM – Estar “breast aware” ou atenta à mama, é uma recomendação extensível a qualquer faixa etária. Na mulher jovem, para a qual não está preconizado um rastreio padronizado, assume particular relevância, mas também se imbui de acrescido desafio. O que se pretende é que a mulher se familiarize com o toque e auto-palpação mamárias. Que consiga reconhecer as suas mamas à observação e ao toque, que saiba reconhecer as alterações que ocorrem ao longo do ciclo menstrual no que toca a tensão, consistência, sensibilidade mamárias, para que assim também consiga identificar precocemente alterações que surjam. A mama de uma mulher jovem passa por transformações ao longo de um ciclo menstrual, o que pode ser desafiante para atingir estes objetivos, mas o cancro de mama diagnosticado precocemente é uma doença muito curável, pelo que várias campanhas têm investido na divulgação do breast awareness.
HN – Sabemos que um diagnóstico precoce aumenta drasticamente a probabilidade de cura. Perante um cenário de diagnóstico tardio, como é o que vemos nestes 45% dos casos, quais são as opções de tratamento e qual é o impacto real na qualidade de vida destas doentes mais jovens?
LM – Dentro desta percentagem de casos englobam-se os cancros de mama diagnosticado de forma localmente avançada, nos quais os tratamentos escolhidos ainda procuram maximizar a probabilidade de se atingir a cura e por isso serão também mais complexos, incorporando quimioterapia numa muito maior proporção comparativamente com os tumores em estádios mais iniciais, à qual se conjuga a cirurgia, radioterapia, hormonoterapia e terapêuticas alvo em muitos casos; e depois os cancros diagnosticados em fase metastizada. Este último grupo corresponde à doença identificada numa fase incurável e corresponde, felizmente, a uma minoria de casos. Para estes existem também diversos tratamentos disponíveis, que vão depender das caraterísticas biológicas do tumor, e que pressupõem prolongar a vida destas mulheres, o que já se consegue fazer atualmente por vários anos, com qualidade de vida preservada, graças aos avançados no tratamento desta doença.
HN – Recentemente, a DGS estabeleceu um prazo máximo de 7 dias para a entrega de resultados da mamografia no programa de rastreio. Esta medida, embora positiva, não resolve o problema das mulheres mais jovens. Que medidas concretas, ao nível da consciencialização ou do acesso a cuidados de saúde, defende que são necessárias para colmatar esta lacuna?
LM – As campanhas de sensibilização têm de incluir todas as faixas etárias, e contemplar relatos e participação de mulheres jovens. Só assim conseguiremos que esta faixa etária se consiga relacionar este diagnóstico e “descolá-lo” de uma associação à mulher de meia idade.
Adicionalmente, a formação e consciencialização dos profissionais de saúde é essencial. A primeira linha de procura de cuidados médicos é habitualmente o médico de família, e consciencializar e capacitar estes profissionais é essencial para um diagnóstico mais atempado do cancro de mama nestas mulheres. Depois, várias nuances vão caraterizar o diagnóstico destas mulheres: decisão de criopreservação de óvulos, decisões a nível laboral, que quanto mais precocemente forem acauteladas, mais célere será o início dos tratamentos. Pelas suas caraterísticas de agressividade, é premente o início rápido da terapêutica nestas situações, pelo que a rapidez de resposta a nível hospitalar assim que feito o diagnóstico deve também ser otimizada.
HN – A mensagem final é frequentemente a mais importante. Que mensagem gostaria de deixar diretamente às mulheres portuguesas com menos de 40 anos sobre a importância de estarem atentas ao seu corpo e a defenderem a sua saúde, mesmo perante a possibilidade de ser “só um alarme falso”?
LM – Primeiro, invistam em hábitos de vida saudáveis. Comer bem, de forma variada e com equilíbrio, evitando fatores carcinogénicos conhecidos para cancro de mama como o álcool. Praticando exercício físico regular, que reduz o risco de cancro de mama. Portanto, o primeiro passo é prevenir.
Segundo, conheçam o vosso corpo. Tentem entender o seu funcionamento, os seus padrões mais habituais, conseguindo assim reconhecer mudanças nesses padrões, que serão na grande maioria das vezes normais, benignos, sem repercussão para a saúde. Mas que se persistentes, se muito diferentes dos padrões habituais, deverão levar à procura de cuidados de saúde. No que toca à observação e auto-palpação mamárias, a dúvida que persiste deve sempre ser partilhada com o médico de primeira linha, habitualmente o médico de família, para que ele possa corretamente avaliar e proceder ao pedido de exames complementares de diagnóstico necessários. Mesmo que grávidas, a amamentar, mesmo que não tenham ciclos menstruais pelo método anticoncetivo utilizado, não ignorem sinais de novo que levantam desconfiança. A deteção precoce do cancro da mama salva vidas.
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