Foram oito meses, entre abril e dezembro de 2022. Boris Becker, no seu tempo um prodigioso tenista que aos 17 anos, em 1985, ganhou o primeiro de três títulos em Wimbledon, foi preso depois de um pós-carreira turbulento, entre problemas pessoais e aventuras financeiras que correram mal.

Em 2017, o ex-tenista alemão declarou-se insolvente e foi obrigado a leiloar o seu espólio de taças e distinções arrecadadas ao longo de uma proveitosa carreira, em que venceu 49 títulos, entre eles seis em torneios do Grand Slam. Foi este processo que, eventualmente, levaria à sua condenação e prisão, depois de um tribunal de Londres ter dado como provado que Becker havia não declarado ativos e troféus no valor de quase três milhões de euros para evitar pagar a credores. Foi então condenado a 30 meses de prisão, dos quais acabaria por cumprir apenas oito em duas cadeias em Inglaterra.

É sobre essa experiência na prisão que Boris Becker fala no seu novo livro, de nome “Inside” (“Dentro”, em português). Em entrevista ao “Guardian”, o antigo número um mundial e campeão olímpico em 1992, sublinhou que o tempo em que esteve encarcerado foi duro, mas que serviu para tomar consciência e responsabilidade dos crimes que cometeu, garantindo que, neste momento, vive uma vida tranquila, longe dos altos e baixos de outrora.

“Quem diz que a vida na prisão é fácil está a mentir. É um verdadeiro castigo”, apontou o germânico de 57 anos, que começou por cumprir pena na prisão de Wandsworth, curiosamente a poucos quilómetros de Wimbledon, onde se fez mito no ténis. Sonho e pesadelo separados por tão poucos metros. Nos primeiros dias ali, conta, ouvia gritos durante a noite e dormir era impossível. “Não consegues dormir porque na prisão as pessoas matam-se, magoam-se a si próprias, enlouquecem. Wandsworth é provavelmente uma das prisões mais duras do Reino Unido e ser colocado lá foi um choque”, assume.

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Na prisão “o tempo é o maior inimigo”, aponta ainda o antigo tenista, “porque o relógio corre muito lentamente” para quem está “22 horas por dia dentro de uma pequena cela”. Mas Becker vê o lado positivo do isolamento que sofreu: “Tens de tomar consciência da tua responsabilidade e a vida na cela dá-te essa oportunidade. Começas a pensar nos porquês, nos ses e nos quandos”. Três anos depois, Boris Becker acredita que endireitou a vida por ter tido essa tomada de consciência.

Durante os oito meses em que esteve preso, Boris Becker tornou-se um adeptos da filosofia do estoicismo, influenciado por um guarda prisional. Ao “Guardian”, lembrou ainda o momento em que o seu antigo pupilo Novak Djokovic, que treinou entre 2013 e 2016, venceu o torneio de Wimbledon em 2022, algo que foi acompanhado por todos os colegas de infortúnio, que sabiam da ligação de Becker ao sérvio.

“Quando o Novak ganhou [a Nick Kyrgios] e levantou os braços, eu levantei-me e ergui também os meus braços. A minha ala começou toda a fazer barulho, a bater nas celas sem parar durante 10 minutos, nas paredes, nas portas, com copos e cadeiras. Tinha estado duas semanas a educá-lo, a dizer que o Novak era o meu gajo, e eles perceberam isso. Fiquei lá a chorar”, confessou, frisando que a carga emocional da vitória foi ainda mais forte porque Djokovic tinha oferecido bilhetes à sua companheira, agora mulher, a são-tomense Lilian de Carvalho Monteiro, e ao seu filho mais velho, Noah, que assistiram ao torneio na box do sérvio.

“É o que eu chamo a verdadeira amizade, aquela que não esqueces”, apontou o antigo tenista, que nos últimos anos se tem dedicado a cobrir ténis e futebol na televisão italiana, já livre de todas as dívidas que o levaram do céu ao inferno.