A epidemiologia do câncer entre pessoas vivendo com HIV (PVHIV) nos Estados Unidos mudou significativamente nas últimas décadas. O uso eficaz da terapia antirretroviral (TARV) promoveu restauração imune e maior capacidade de combate a vírus oncogênicos, como o herpesvírus humano tipo 8 (HHV-8), agente etiológico do sarcoma de Kaposi — uma neoplasia fortemente associada à imunossupressão. Nos Estados Unidos e na Europa, trata-se de um câncer definidor de AIDS raramente diagnosticado fora do contexto de infecção pelo HIV, e o amplo acesso à TARV reduziu substancialmente sua incidência populacional. No entanto, o sarcoma de Kaposi ainda ocorre em indivíduos sob TARV efetiva.
Estudo
Um estudo recente publicado na AIDS, teve como objetivo avaliar a incidência e a sobrevida do sarcoma de Kaposi na era moderna da TARV entre PVHIV acompanhados em centros de pesquisa e cuidado vinculados à rede Center for AIDS Research Network of Integrated Clinical Systems (CNICS), entre 1996 e 2016. A pesquisa anterior do mesmo grupo (1996–2011) já havia demonstrado redução de 37% no risco de sarcoma de Kaposi a cada aumento de 100 células/ml no número de linfócitos T CD4+ após início da TARV.
Na análise atual, envolvendo mais de 20.000 PVHIV, 344 foram diagnosticados com sarcoma de Kaposi. Contagem de CD4+ inferior a 200 células/ml no início da TARV esteve associada a um risco seis vezes maior da doença, e carga viral superior a 50.000 cópias/mL, a um risco três vezes maior. Cada aumento de 100 células/ml no CD4+ ou redução logarítmica da carga viral entre 12 e 18 meses após início da TARV resultou em diminuição de 11% e 7% no risco de sarcoma, respectivamente. Além disso, durante o seguimento clínico, cada aumento de 10% no tempo com CD4+ > 350 células/mL ou carga viral
Resultados
Os achados indicam que não apenas o início precoce da TARV, mas também a manutenção contínua da supressão viral e da restauração imune reduzem o risco de sarcoma de Kaposi. O efeito protetor foi mais pronunciado em indivíduos que iniciaram TARV com CD4+
Em termos prognósticos, observou-se que a sobrevida após o diagnóstico de sarcoma de Kaposi dependeu fortemente da condição imunológica. Pacientes com CD4+ 500 células/ml alcançaram sobrevida média de quase quatro anos. Cada aumento de 10% no tempo pós-diagnóstico com CD4+ > 350 células/mL reduziu o risco de morte em 16%. Esses resultados corroboram evidências anteriores de que a reconstituição imune obtida com TARV efetiva melhora tanto a prevenção quanto o prognóstico do sarcoma de Kaposi.

Mensagem prática: Sarcoma de Kaposi e TARV
Apesar de limitações — como ausência de dados detalhados sobre a gravidade da neoplasia e variações nos esquemas de TARV —, o CNICS fornece uma amostra robusta e representativa da prática clínica real nos EUA. Conclui-se que a falta de controle virológico contínuo aumenta significativamente o risco e piora o prognóstico do sarcoma de Kaposi, ressaltando a importância de adesão sustentada à TARV e monitoramento regular. O estudo reforça que o controle duradouro do HIV é fundamental não apenas para a prevenção de doenças oportunistas, mas também para reduzir a mortalidade associada ao câncer entre PVHIV.