Nos últimos anos, a incorporação de ferramentas de mapeamento genético na prática neurológica tem transformado o diagnóstico de diversas doenças, especialmente aquelas com base hereditária ou de início precoce.

Testes como o painel de genes direcionado, o exoma completo e, mais recentemente, o genoma completo, ampliaram a capacidade de identificar variantes genéticas associadas a condições neurológicas raras e complexas.

No texto de hoje, poderemos refletir sobre o impacto clínico e os desafios diagnósticos e éticos que se apresentam no cuidado do paciente e sua família.

 

Aplicações e impacto clínico

A neurologia é uma das especialidades médicas com maior impacto do avanço genômico, dada a expressiva carga genética de várias doenças neurológicas. Entre as principais aplicações clínicas do mapeamento genético, destacam-se:

  • Doenças neuromusculares hereditárias: Distrofias musculares, miopatias congênitas, ELA familiar, etc.
  • Epilepsias genéticas
  • Ataxias hereditárias
  • Leucodistrofias
  • Síndromes demenciais de início precoce: Alzheimer, CADASIL, demência frontotemporal, etc.
  • Distúrbios do movimento com padrão familiar ou início atípico: Doença de Huntington, distonias genéticas, parkinsonismo juvenil, etc.
  • Doenças mitocondriais

Além de oferecer diagnóstico etiológico preciso, o mapeamento genético pode orientar prognóstico, decisões terapêuticas, aconselhamento genético familiar e inclusão em ensaios clínicos de terapias gênicas.

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Cuidados na solicitação e interpretação

Apesar do grande potencial diagnóstico, o uso dessas ferramentas exige criteriosa seleção de casos e interpretação cautelosa dos resultados. Entre os principais cuidados que o neurologista deve ter, destacam-se:

  • Indicação clínica bem estabelecida: Nem todo paciente com sintomas neurológicos inespecíficos se beneficia do sequenciamento genético. A investigação deve estar baseada em suspeita clínica razoável e fenótipo clínico bem definido.
  • Escolha do teste apropriado: Testes mais amplos, como exoma e genoma, aumentam a chance de detectar variantes relevantes, mas também trazem maior risco de achados incidentais ou variantes de significado incerto (VUS). Em muitos casos, um painel genético direcionado pode ser mais apropriado.
  • Análise e validação com suporte especializado: A presença de uma mutação patogênica não implica, isoladamente, causalidade clínica. O apoio de geneticistas e suporte dos laboratórios de referência é essencial para a interpretação adequada dos achados.
  • Aconselhamento genético: Os impactos familiares, psicológicos e legais de um diagnóstico genético exigem preparo e acolhimento. Resultados podem afetar planejamento reprodutivo, relações familiares e até questões de empregabilidade.
  • Responsabilidade ética e comunicação: O médico deve evitar simplificações, alarmismos ou promessas terapêuticas sem embasamento. Resultados devem ser discutidos com clareza, contextualizando as limitações dos exames atuais e os riscos de superinterpretação.

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Mensagem final

O mapeamento genético trouxe uma nova dimensão para a prática neurológica, especialmente no diagnóstico de doenças raras e hereditárias. No entanto, seu uso exige raciocínio clínico, responsabilidade ética e suporte interdisciplinar.

Quando bem indicado e interpretado, pode transformar a jornada diagnóstica dos pacientes e famílias, contribuindo para um cuidado mais preciso, humano e personalizado.