A história – avançada pelos jornais “La Repubblica” e do “Il Giorno” – tem contornos macabros. São descritos “safaris humanos”, em que largas dezenas de personalidades, ricas e influentes, terão pago entre 80 e 100 mil euros para acompanhar tropas sérvias e assassinar homens, mulheres e crianças desarmados. A investigação foi aberta contra “desconhecidos”, por homicídio voluntário agravado por crueldade e motivos ignóbeis. Os testemunhos de várias pessoas já vieram adensar as suspeitas, incluindo ao Expresso, através de contactos pelas redes sociais.
Mas a história está apenas a começar. A procuradoria de Milão só agora deu início às inquirições das testemunhas e os jornalistas de investigação de vários países europeus também estão no terreno. Um desses jornalistas é o croata Domagoj Margetic, que em poucos dias conseguiu coligir o que considera serem provas da alegada participação do atual Presidente sérvio, Aleksandar Vucic, no assassinato de civis bósnios durante o cerco. A queixa já seguiu para Milão.
Frente a frente entre manifestantes antigovernamentais e forças policiais, em Belgrado
ANDREJ CUKIC / EPA
A acusação de Margetic assenta no facto de que, durante a organização destas excursões, Vucic se encontrava na mesma posição a partir da qual estes crimes foram perpetrados, o cemitério judaico de Sarajevo.
O jornalista conclui que “existem indícios sérios de que Aleksandar Vucic participou pessoalmente nos safaris humanos” e que ajudou na “logística” que facilitou a ida de ‘caçadores estrangeiros’ até às posições militares no cemitério judaico em Sarajevo, lê-se no jornal “The Guardian”. Essa logística passava por apoio ao transporte, tradução, organização e fornecimento de equipamento, segundo a acusação.
A queixa apresentada contra o Presidente sérvio foi reforçada pelo advogado sérvio Cedomir Stojkovic, que está a pressionar os magistrados em Belgrado para que abram uma investigação. No Facebook, Stojkovic colocou um vídeo, de 1993, onde Vucic aparece a transportar o que parece ser uma espingarda de atirador, enquanto fala com outros homens armados.
É sabido que, em jovem, Vucic ingressou, como voluntário, em unidades paramilitares sérvias – o próprio admitiu-o publicamente. Entre 1992 e 1993 foi membro do destacamento Chetnik de Novo Sarajevo do Exército da República Srpska (VRS), liderado pelo comandante Slavko Aleksić.
Este destacamento ocupou o cemitério judaico de Sarajevo, o mesmo local de onde foram conduzidas estas expedições de caça a civis, durante vários meses. Em declarações aos jornalistas em Belgrado esta quinta-feira, Vucic negou as acusações. “Nunca matei ou feri ninguém, nem fiz nada do género. Mentem sobre mim como sniper em Sarajevo há 10 ou 20 anos, e continuam a mentir”, disse.
Uma fotografia de Sarajevo ainda durante o cerco, em 1994
Derek Hudson
Como parte do caso, o jornalista croata cita também o testemunho de Vojislav Seselj, fundador do Partido Radical Sérvio, de extrema-direita, prestado em Haia durante a defesa do antigo líder dos sérvios da Bósnia, Radovan Karadzic, em 2013, no qual afirmou que Vucic fazia parte do destacamento militar.
O tribunal especial das Nações Unidas para a antiga Jugoslávia concluiu que havia “amplas provas” de que Slavko Aleksić comandara uma unidade de voluntários baseada no cemitério judaico de Sarajevo entre abril de 1992 e, pelo menos, setembro de 1993.
Na carta enviada aos magistrados de Milão, o jornalista inclui as declarações de Zukan Helez, ministro da Defesa da Bósnia, que afirmou que membros dessa unidade lhe disseram ter visto Vucic a disparar, mas o Presidente sérvio garante que, naqueles anos, foi jornalista, em Pale, a cerca de 18 quilómetros de Sarajevo. “Não posso ouvir disparates e mentiras”, disse ele ao canal bósnio Face TV em 2021. Nessa mesma entrevista, descreveu as acusações, que vem enfrentando há vários anos, como uma “manipulação política enraizada na retórica nacionalista da sua juventude” e no “frágil equilíbrio de poder da região”, descreve ainda o diário britânico.
Vucic sempre alegou que o que se vê no vídeo é um guarda-chuva e não uma espingarda, afirmações que Helez rejeita como “meras desculpas”, escreve o “Sarajevo Times”.
Pelo menos 11.000 pessoas morreram durante o cerco de Sarajevo.