Tenho consultado várias fontes de informação sobre a influência da Inteligência Artificial (IA) no mercado de trabalho português. Após analisar diversas perspectivas, é evidente que ninguém (tanto a nível nacional como internacional) sabe exactamente para onde se virar.

Todos nós atravessamos uma fase de incerteza em relação ao futuro do trabalho. Pela primeira vez, poderemos estar à beira de uma realidade onde, na maior parte dos casos, não será necessário o ser humano satisfazer as necessidades produtivas mais “duras” da sociedade. Neste cenário, impõe-se a pergunta: qual é a melhor estratégia para o futuro do país?

Existe um movimento nestas respostas que está a ganhar tracção e que sinto necessidade de criticar. A “gota de água” foi um discurso no Web Summit que sugeria que ser canalizador era o futuro.

Corremos o risco de deixar países como os EUA ou a China desenvolverem as IAs, enquanto nós apenas mantemos as fábricas deles. Não me parece, de todo, a melhor visão para o futuro português; não podemos apontar para “ser formiga dos outros”.





É verdade que um software developer que não use IA estará em maus lençóis no futuro, mas isto não quer dizer que a expertise desse programador seja nula ou que valha mais um despedimento. A chave está em gerir estes sistemas. Possivelmente, num futuro com estas ferramentas inteligentes, passarão a ser precisos apenas três em vez de dez profissionais para programar um projecto. Contudo, os outros sete podem desenvolver outros projectos; não têm necessariamente de ficar desempregados ou tornarem-se canalizadores.

Devido às novas gigafábricas, existe um vislumbre muito grande de capital a ser injectado em zonas como Sines por privados internacionais das áreas tecnológicas. Que fique claro: o facto de Portugal possuir infra-estruturas que permitem que sistemas de IA sejam uma realidade é positivo para as comunidades locais e nacionais, e irá certamente atrair imensos electricistas, carpinteiros e canalizadores para a zona. Também é claro que existe uma enorme capacidade da IA para automatizar processos, e que os mesmos privados referidos aludem a uma lista de trabalhos a automatizar onde “canalizador” está nos últimos lugares.

Posto isto, tudo parece indicar que o que resta para Portugal é dedicar-se aos serviços primários e secundários (até estes começarem a ser absorvidos), deixando a IA tomar conta do sector terciário. Corremos o risco de deixar países como os EUA ou a China desenvolverem as IAs, enquanto nós apenas mantemos as fábricas deles. Não me parece, de todo, a melhor visão para o futuro português; não podemos apontar para “ser formiga dos outros”.

A chave não passará por abrir mais politécnicos, tornar o ensino teórico uma peça do passado e começarmos todos a apertar parafusos. A chave passará pelas universidades perceberem que, no futuro, a IA irá fazer a criação de valor real para o mundo real e não os humanos e nós teremos de aprender a usar estes sistemas para nos juntarmos ou fundarmos empresas que os utilizem para providenciar esse valor.

Certamente, para as universidades do futuro, não bastará ensinar a teoria (como se faz actualmente), mas também explicar como a IA utiliza essa mesma teoria para criar valor real (o que falta hoje em dia). Não poderemos tentar ser melhores profissionais que a IA — não é possível de um ponto de vista técnico a longo prazo — mas ao menos que a usemos de forma academicamente informada para os nossos interesses.

No futuro, uma subscrição de um sistema de IA será equivalente a termos empregados a tempo inteiro a trabalhar para nós. Então, desafio os portugueses à gestão destes “empregados” digitais, em vez de deixarmos que outros países (ou estes próprios sistemas) nos giram enquanto apertamos parafusos na gigafábrica.

As fábricas são importantes, sem dúvida, e os electricistas, canalizadores e carpinteiros são críticos (caso contrário, eu não poderia estar a partilhar este texto convosco). Mas isto é apenas o prefácio; a verdadeira mudança começa depois das fábricas. Preparemo-nos para o “pós-gigafábrica”.