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Quando olhamos para o céu nocturno, ficamos frequentemente maravilhados com as estrelas, os planetas distantes e as galáxias enormes. Contudo, para além do espectro visível, existe uma faceta mais misteriosa do universo – a radiação cósmica.
São partículas de alta energia que se deslocam pelo universo quase à velocidade da luz, diz Dimitra Atri, do Grupo de Investigação de Marte do Centro de Astrofísica e Ciência Espacial de Abu Dhabi da Universidade de Nova Iorque. Estas partículas são originadas por eventos como explosões de supernovas e erupções solares e viajam através do espaço, bombardeando a Terra vindas de todas as direcções e penetrando na sua atmosfera.
No filme O Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, da Marvel, actualmente em exibição, o Quarteto Fantástico ganha os seus poderes depois de ser exposto a radiação cósmica que altera o seu ADN a um nível fundamental. Embora estas partículas de alta velocidade não dêem superpoderes na vida real, infelizmente podem mesmo penetrar no corpo humano.
Em doses elevadas, os raios cósmicos podem desfazer as moléculas de ADN e danificar os tecidos biológicos. Uma exposição prolongada à radiação cósmica pode aumentar o risco de cancro, cataratas e problemas reprodutivos. Também pode prejudicar a neurogénese, o processo de geração de novas células no cérebro.
Mas quanto, ao certo, é que o corpo humano é exposto a este tipo de radiação e a forma como ela influencia a nossa saúde varia em função da altitude e das medidas tomadas para nos protegermos dela. Dizemos-lhe o que precisa de saber.
Science Source / Science Photo Library
Os raios cósmicos que atingem a superfície da Terra foram registados pelos rastos de vapor que deixam em câmaras de bolhas, como se vê na gravação acima, realizada pela Bubble Chamber-924 em Julho de 1960.
Como radiação cósmica nos afecta se estivermos na Terra
Aqui na Terra, temos um sistema de defesa natural contra a radiação cósmica que salvaguarda a vida do planeta: a atmosfera e o campo magnético da Terra. A atmosfera absorve a maior parte da energia da radiação cósmica, permitindo que apenas uma pequena fracção atinja a superfície. O campo magnético do nosso planeta, gerado por correntes eléctricas no núcleo terrestre, protege o planeta da radiação espacial mais nociva.
Em média, as pessoas que se encontram à superfície da Terra são expostas a cerca de três milisieverts da radiação por ano. (Os sieverts, frequentemente exprimidos em milisievertes, são a unidade utilizada para medir a dose de radiação que afecta o corpo humano). No entanto, a altitude é relevante. “À medida que subimos, a atmosfera torna-se menos densa e ficamos expostos a mais radiação”, diz Atri.
Quanto maior a altitude, menos protecção atmosférica existe. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, as pessoas que vivem em locais a grande altitude como Denver – conhecida como “A Cidade a Uma Milha de Altura” – recebem níveis de radiação cósmica ligeiramente mais altos do que aquelas que se encontram em locais no nível do mar, como Miami.
NYPL / Science Source / Science Photo Library
Quando as tripulações das missões Apollo regressaram da Lua, tinham pequenas amolgadelas nos seus capacetes causadas pelo impacto dos raios cósmicos. A imagem acima é uma vista ampliada da réplica de um capacete em silicone.
Como a radiação nos afecta quando voamos
Quando as viagens aéreas nos levam a maiores altitudes, também nos aproximam mais das partículas carregadas de energia que emanam do espaço sideral.
No entanto, embora um avião de passageiros esteja exposto a níveis mais altos de radiação cósmica, a radiação recebida durante um voo é insignificante. Por exemplo, numa viagem de ida e volta de uma costa à outra dos EUA, a radiação é mais ou menos equivalente à de fazer uma radiografia ao tórax.
Os pilotos, assistentes de bordo e as pessoas que voam com frequência enfrentam uma maior exposição à radiação cósmica devido à frequência com que estão no céu.
Um estudo realizado pela Universidade de Harvard concluiu que a exposição à radiação contribuía para a incidência de problemas de saúde laborais entre as tripulações de voo e riscos de cancro associados à profissão. Outro estudo descobriu que as tripulações aéreas costumam ter mais exposição à radiação do que os trabalhadores de centrais nucleares.
“Mesmo assim, não é suficiente para causar assim tantos danos porque ainda estão dentro do campo magnético da Terra e ainda existe uma atmosfera”, acrescenta Atri.
Como a reacção cósmica nos afecta quando saímos do planeta
JSC / NASA
Embora os fatos espaciais proporcionem alguma protecção dos raios cósmicos, medir a duração das actividades realizadas fora da nave em períodos de baixa actividade solar é a melhor forma de protecção.
Quando se aventuram para lá da atmosfera protectora da Terra, os seres humanos que se deslocam no espaço enfrentam níveis de exposição significativos. O corpo humano é constantemente bombardeado com partículas de alta energia.
Os astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional (EEI), que orbita a Terra a 400 quilómetros de altitude, estão expostos a níveis de radiação muito mais elevados do que as pessoas que se encontram sobre a superfície da Terra. Em apenas uma semana a bordo da EEI, os astronautas são expostos à mesma quantidade de radiação cósmica que um ser humano comum recebe ao nível do mar na Terra ao longo de um ano.
Os astronautas que viajam até locais distantes do cosmo – em missões até à Lua, Marte e mais além – ficariam expostos a ainda mais raios cósmicos durante a viagem e quando chegassem ao seu destino. Por esta razão, muitas agências espaciais propuseram limites à dose de radiação que um astronauta espacial pode receber ao longo da sua carreira.
Um instrumento a bordo do veículo não-tripulado Curiosity Mars, que fez uma missão de 253 dias até Marte, revelou que a dose de radiação recebida por um astronauta numa viagem de ida e volta até ao planeta vermelho seria cerca de 0,66 sievertes – o equivalente a 660 radiografias ao tórax. E embora a atmosfera terrestre o proteja da maioria da enxurrada de radiação do cosmos, a atmosfera rarefeita de Marte – cerca de 100 vezes mais fina do que a da Terra – permite a entrada de muita radiação.
Com base nas medições realizadas pelo Curiosity, os investigadores estimam que uma missão de 500 dias à superfície do planeta vermelho pudesse elevar a exposição total a cerca de um sievert, ou seja 10 vezes a dose de radiação que um astronauta recebe durante uma missão de seis meses a bordo da EEI.
Os investigadores propuseram uma série de projectos de naves espaciais com escudos feitos de água, materiais ricos em hidrogénio ou a material planetário capaz de proporcionar uma viagem potencialmente mais segura pelo cosmo, absorvendo a radiação.
MSFC / NASA
Os Phantom Torsos são modelos anatómicos construídos com centenas de dispositivos de monitorização de radiação que permitem aos investigadores calcular a quantidade de radiação que penetra nos órgãos internos durante as viagens espaciais.
Existem alguns estudos em curso sobre projectos de abrigos que possam ser enterrados ou utilizados como escudo pelos astronautas quando chegarem ao seu destino de modo a reduzir a exposição à radiação. “Uma vez na superfície, é possível utilizar o solo de Marte para construir habitats”, diz Atri. “E podemos construir algo subterrâneo que proporcione um escudo natural. Isso seria suficiente para eliminar a componente mais extrema da radiação nociva.”
A radiação cósmica também é um grande desafio para as viagens interplanetárias, levando os especialistas médicos a ponderarem o uso de medicação capaz de diminuir o seu impacto no corpo humano. “É um campo muito interdisciplinar”, diz Atri. “Temos profissionais médicos, físicos, engenheiros, psicólogos – precisamos de todos a bordo”.
Apesar do nosso conhecimento crescente destas misteriosas partículas carregadas, Atri diz que precisamos de mais dados para saber como proteger plenamente os seres humanos da exposição, se quisermos explorar os limites mais distantes do cosmo.
Mas a não ser que tenha uma viagem espacial planeada para o futuro próximo, pode ficar descansado, pois não vai sentir muitos efeitos negativos – nem desenvolver superpoderes – por causa da radiação cósmica.