Com uma carreira a solo de 25 anos, ao longo dos quais ganhou o estatuto de «pessoa realmente influenciadora da história do futebol», ou, como se dizia antigamente nos bancos da faculdade de Direito, «com ele a doutrina aumentou e a jurisprudência evoluiu», nunca ninguém deu nada a José Mourinho – entre muitas outras conquistas, as I Ligas, as Taças, as Premier Leagues, os Scudettos, as Champions, a Liga Europa, a Taça UEFA ou a Liga Conferência – foi ele que trabalhou para ganhá-las, com os staffs e jogadores que escolheu. 

No último quarto de século, honra lhe seja feita, nunca vi ninguém elogiar Mourinho pela cordialidade, pelas capacidades diplomáticas, ou pelas tentativas de tentar consertar o que já não tinha arranjo. Ao invés, embora tenha proporcionado, por vezes através de bate-bocas com os jornalistas, alguns momentos inolvidáveis, a sua natureza foi sempre marcada pela frontalidade e dureza, sem medo das palavras, muito menos de levá-las à prática. 

Acontece que «este» José Mourinho, se quisermos o «verdadeiro» José Mourinho, ainda não tinha vindo à tona nesta sua segunda passagem pelo Benfica. Os primeiros tempos foram de observação, pelo meio meteu-se a temperança requerida pelo processo eleitoral, e só agora, concluída a primeira e livre das amarras da segunda, o treinador de Setúbal começou, com um aviso solene após o jogo da Taça, no Restelo, com o Atlético, a iniciar a formatação do Benfica que deseja, identificando com quem «não quer ir para a selva», com a devida vénia ao autor da expressão, Carlos Queiroz.  

Quer isto dizer duas coisas: Mário Branco e Rui Costa vão ter muito trabalho até ao fim do ano, entre chegadas e partidas; e dentro do plantel, haverá dois tipos de jogadores, os que entregam os pontos, e aqueles que ainda vão tentar fazer com que Mourinho mude de ideias. Ou seja, aquilo que pareciam ser águas paradas, transformaram-se num mar encapelado, de onde apenas sairá vivo (metaforicamente, é claro), não só quem souber nadar, mas ainda tendo ainda de fazê-lo no estilo que mais agrada ao treinador.  

Mas, até que este cenário possa ganhar corpo, ainda faltam cinco semanas que, entre abanões, incertezas, avisos e lesões, prenunciam tempos difíceis para o Benfica, que não deve perder mais pontos para a concorrência na Liga, joga pelo prestígio na Champions, e mantém a ida ao Jamor como um objetivo. 

Então, neste contexto, terá sido oportuno o murro na mesa dado por Mourinho, no Restelo? Francamente, por mais que valorize os perigos atrás identificados, creio que sim, porque não só serviu de eletrochoque em quem nunca sentiu o peso da camisola (porque num clube da dimensão do Benfica só pode jogar quem sentir esse peso, e conseguir aguentá-lo), como abriu uma perspetiva de futuro aos adeptos encarnados, através de um treinador que acredito que tenha poderes reforçados e uma palavra importante a dizer naquilo que se seguirá, e que quer apetrechar o clube com meios que o levem ao sucesso desportivo. 

José Mourinho, fazendo jus à sua imagem de marca, despiu as vestes de bom rapaz, pôs as garras de fora, arregaçou as mangas, e disse que está pronto para a luta. Não foi a primeira vez, em 25 anos, que o fez, e há que não esquecer que as coisas só não lhe correram bem quando tomou atitudes semelhantes e não teve o respaldo das administrações dos clubes. O que não me parece verificar-se no presente.