Se estiver preocupado com microplásticos, parece não haver escapatória à nossa volta – as partículas minúsculas podem desprender-se da roupa de poliéster e rodopiar no ar dentro de casa, ou libertar-se das embalagens de comida para levar, entrando nos alimentos ali contidos.
Mas, à medida que os cientistas se concentram nas fontes microplásticos (e na forma como entram no corpo humano), há um factor que se destaca: estudos sobre o tópico indicam cada vez mais que os microplásticos são libertados pela exposição ao calor.
“O calor desempenha provavelmente o papel mais importante na libertação destes micro e nanoplásticos”, afirmou Kazi Albab Hussain, investigador de pós-doutoramento na Universidade de Nebraska-Lincoln, nos Estados Unidos (EUA).
Se deitar café num copo isotérmico descartável, minúsculos pedaços do copo irão infiltrar-se na própria bebida. Se preparar um chá, milhões de microplásticos de saqueta de chá passarão para o conteúdo da chávena. Ao lavar a sua roupa de poliéster a alta temperatura, os têxteis podem começar a desfazer-se, enviando os microplásticos para o abastecimento de água.
Num estudo recente realizado por investigadores da Universidade de Birmingham, em Inglaterra, os cientistas analisaram 31 bebidas diferentes à venda no mercado do Reino Unido, desde sumos de fruta e refrigerantes a café e chá. Embora todas as bebidas contivessem, em média, pelo menos uma dúzia de partículas de microplástico, o número mais elevado encontrava-se, de longe, nas bebidas quentes.
O chá quente, por exemplo, tinha uma média de 60 partículas por litro, enquanto o chá gelado tinha 31 partículas. Já o café quente apresentava 43 partículas por litro, e o café gelado cerca de 37.
Calor facilita a lixiviação
Segundo Mohamed Abdallah, professor de geografia e contaminantes emergentes na Universidade de Birmingham e um dos autores do estudo, estas partículas provêm de uma série de fontes, como a tampa de plástico de uma chávena de café descartável, ou os pequenos pedaços de plástico que revestem uma saqueta de chá. Mas quando a água quente é adicionada à mistura, a taxa de libertação de microplásticos aumenta.
“O calor facilita a lixiviação dos microplásticos dos materiais de embalagem”, afirmou Mohamed Abdallah.
O efeito foi ainda maior em plásticos mais antigos e degradados: o café quente preparado numa máquina de café doméstica com oito anos e com componentes de plástico tinha duas vezes mais microplásticos do que o café preparado numa máquina com apenas seis meses.
Esse estudo analisou apenas microplásticos com um tamanho inferior a 10 micrómetros (ou cerca de um quinto da largura de um cabelo humano). Mas outros estudos encontraram os mesmos resultados com nanoplásticos ainda mais pequenos, definidos como partículas de plástico com menos de um micrómetro de diâmetro.
Alimentos para bebés
Cientistas da Universidade de Nebraska-Lincoln, incluindo Hussain, analisaram pequenos frascos e recipientes de plástico utilizados para armazenar alimentos para bebés e descobriram que os recipientes podiam libertar mais de dois mil milhões de nanoplásticos por centímetro quadrado quando aquecidos no microondas – um valor significativamente maior do que quando armazenados à temperatura ambiente ou no frigorífico.
O mesmo efeito foi demonstrado em estudos que analisaram a forma como a roupa produz microplásticos. Os cientistas descobriram que temperaturas de lavagem mais elevadas levam à libertação de mais plásticos minúsculos das roupas sintéticas.
O calor, explicou Kazi Albab Hussain, é simplesmente mau para o plástico, especialmente para o plástico utilizado para armazenar alimentos e bebidas. Nem todos os plásticos têm cadeias de polímeros perfeitamente formadas – em qualquer copo ou jarro de plástico podem existir defeitos, protuberâncias e saliências que, quando atingidas pelo calor, fazem com que o polímero se parta em pedaços mais pequenos.
“O calor pode efectivamente vibrar a cadeia, levando à quebra dos polímeros”, disse Kazi Albab Hussain.
Possíveis impactos negativos na saúde
Os cientistas ainda não sabem exactamente quais são os efeitos para a saúde da ingestão de microplásticos. Embora as minúsculas partículas tenham sido encontradas no sangue, no cérebro e nos pulmões, os cientistas ainda estão a tentar perceber como podem provocar doenças.
Mas há alguns indícios de que as partículas têm efeitos nocivos. Ratos expostos a grandes quantidades de microplásticos mostraram sinais de doença de Alzheimer e demência; microplásticos e nanoplásticos numa artéria-chave foram associados a um maior risco de acidente vascular cerebral, doença cardíaca e morte.
As partículas podem também transportar consigo substâncias químicas plásticas que têm sido associadas a problemas de desenvolvimento em crianças pequenas e à infertilidade numa fase posterior da vida.
No mundo actual, livrar-se totalmente do plástico parece quase impossível. Mas os investigadores que trabalham com microplásticos afirmam que manter o plástico afastado do calor é uma forma de reduzir substancialmente a sua exposição ao material.
Kazi Albab Hussain, que tem filhos pequenos, deixou de colocar qualquer coisa de plástico no microondas; também já não deita água quente ou chá quente em recipientes de plástico. “Tentamos evitar qualquer tipo de exposição ao calor”, afirma o investigador.