Se numa loja um fato que não assenta bem apenas compromete a elegância, na substituição de uma anca ou de um joelho o conceito de “tamanho standard” pode traduzir-se em sérios problemas de saúde. É para pôr fim à era das próteses padronizadas que arranca o projecto ADAPT, uma iniciativa europeia coordenada pelo ISQ e financiada em dois milhões de euros. Segundo o instituto, o objectivo é que a manufactura aditiva (impressão 3D), combinada com algoritmos de inteligência artificial, permita criar implantes que se adaptam ao paciente — e não o contrário.
Rodolfo Batalha, gestor do projecto no ISQ (entidade privada especializada em consultoria técnica e certificação), sublinha que “mesmo em casos que exigem soluções individualizadas, a maioria dos pacientes ainda recebe implantes padronizados”. O consórcio pretende democratizar o acesso a implantes personalizadas para anca e joelhos, tornando o processo escalável e industrialmente viável.
A engenharia do osso digital
O processo técnico descrito pelo ISQ procura aproximar a fábrica da biologia. Tudo começa na digitalização da anatomia do paciente, através de exames como tomografias. Em vez de um engenheiro desenhar a peça manualmente, entram em acção algoritmos de “desenho generativo”, assistidos por inteligência artificial.
Na prática, isto significa que o software consegue criar microestruturas complexas no metal — neste caso, titânio — capazes de replicar o comportamento e a porosidade do osso humano, algo impraticável com os métodos tradicionais de fundição ou recorrendo a peças maquinadas.
Menos rejeição, menos cirurgias
Para quem se encontra na mesa de operações, a promessa desta tecnologia reside nos ganhos de “biocompatibilidade”. O consórcio estima que os novos implantes melhorem a aceitação mecânica pelo corpo em até 30%.
Ao imitar a estrutura óssea, o implante promove uma melhor osteointegração — forma de dizer que o osso adere mais eficazmente ao metal — o que se traduz em maior estabilidade e durabilidade. A meta passa por reduzir o risco de infecções e, sobretudo, diminuir a necessidade de cirurgias correctivas. Como benefício adicional, a personalização deverá encurtar o tempo de recuperação do paciente.
O projecto não se centra apenas no doente, mas também na sustentabilidade económica e ambiental. A produção destas peças por impressão 3D promete reduzir em 70% os defeitos de fabrico e poupar 12% em materiais, uma vez que a impressora utiliza apenas o metal necessário. O sistema prevê igualmente a reciclagem dos pós metálicos remanescentes, contribuindo para uma poupança energética estimada em 9%.
Para garantir que o processo não fica no papel, o ISQ e os seus parceiros vão desenvolver protótipos reais e definir procedimentos padronizados de testes — passos essenciais para que estas inovações recebam luz verde dos reguladores e possam chegar aos hospitais. Num compromisso relevante para a comunidade científica, o projecto adoptará práticas de “ciência aberta”, partilhando algoritmos e dados não confidenciais para acelerar o desenvolvimento de novas soluções na área médica.