Da cada vez mais presente narrativa anti-imigração às políticas de restrição de fronteiras, a discriminação contra imigrantes está em níveis muito elevados em Portugal.

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Um fenómeno crescente e sem sinais de abrandamento: o número de casos de xenofobia contra imigrantes brasileiros em países europeus continua a aumentar a cada ano que passa.
Entre a cada vez mais presente narrativa anti-imigração – exponenciada pela direita nacionalista no Parlamento e por movimentos ultranacionalistas e neonazis, que propagam o discurso de ódio nas redes sociais – e políticas austeras de restrição de fronteiras, a discriminação contra imigrantes está em níveis muito elevados em Portugal.
Dados de um estudo publicado em fevereiro pela Casa do Brasil de Lisboa revelam que quase 80% dos imigrantes que vivem em território português dizem ter sido vítimas de xenofobia, a maioria dos quais brasileiros (83,6%). A esmagadora maioria não apresenta queixa.
Andressa Anholete
No plano europeu, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI, na sigla inglesa), criada em 1993, regista um aumento considerável de casos de discriminação na última década. No mais recente relatório, a ECRI avaliou os progressos da luta contra a xenofobia em três países europeus: Espanha, Roménia e Eslovénia. E o diagnóstico é comum aos três: há progressos, mas faltam estratégias e políticas de fundo para combater a discriminação contra imigrantes.
No caso de Portugal, o último relatório, divulgado em junho, dá conta de que os mais visados pelo discurso de ódio são os imigrantes, pessoas negras, a comunidade cigana e a comunidade LGBTQIA+.
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Segundo o estudo, “o discurso anti-imigração está muito presente nas discussões políticas” e na “divulgação de informações erradas que associam os migrantes à criminalidade ou como um encargo para o sistema de segurança social português”.
“Perto de 30% da população com antecedentes migratórios indicou ter enfrentado discriminação, em comparação com 13,1% da população não imigrante; o número mais elevado diz respeito à população proveniente do Brasil (54,7% da qual relatou ter enfrentado discriminação) e de países africanos de língua portuguesa (33%)”, refere o documento.
“Volte para o seu país”
O G1, portal de notícias da Globo, falou com três imigrantes brasileiras que vivem na Europa, uma delas em Portugal.
Yara Freitas tem 23 anos e vive desde 2024 no norte do país. Num vídeo que publicou nas redes sociais, conta um episódio de discriminação que viveu um junho, na caixa da loja em que trabalhava. A cliente ter-se-á queixado de que Yara não estava a falar português “corretamente” e, ao ser acusada de xenofobia, afirmou: “Volte para o seu país”.
A jovem brasileira, que tem visto de trabalho, revela que chegou a ir à polícia para denunciar o crime, mas acabou por desistir de avançar com o processo.
“Só recebi um retorno (…) quatro meses depois. Uma carta dizendo que eu teria de pagar pelo processo entre 102 euros e 1.020 euros. Eu não esperava por isso. Quando vi, pensei: ‘Ok, não vou passar daqui’. Desisti de seguir em frente”, conta ao G1.
A comunidade brasileira é a maior entre os imigrantes que vivem em Portugal: 484.596 até ao final de 224, segundo o último Relatório Migrações e Asilo, publicado pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
Detido por ameaças de morte a jornalista brasileira
Nos últimos meses, um caso em particular ganhou notoriedade no espaço mediático português: Bruno Silva, de 30 anos, foi detido em outubro por estar “fortemente indiciado de ter difundido nas redes sociais uma publicação na qual incitava à violência contra um grupo de pessoas de nacionalidade estrangeira“.
Nessa publicação, o homem, luso-brasileiro, oferecia um apartamento em Lisboa a quem “realizasse um massacre e exterminasse determinados cidadãos estrangeiros“. Além disso, pagava um “bónus adicional de 100 mil euros a quem atentasse contra a vida de uma jornalista brasileira que trabalha em Portugal”.
Estas ameaças, proferidas nas redes sociais contra a jornalista brasileira Stefani Costa, foram feitas em setembro. Na altura, o caso foi denunciado às autoridades portuguesas e foi feito um pedido de ajuda ao consulado e à embaixada do Brasil em Portugal. Depois de detido, o homem foi interrogado e ficou em prisão preventiva.
Stefani Costa
Reprodução/Redes Sociais
A moldura penal em Portugal
Em Portugal, segundo o Código Penal, a punição para crimes de racismo e xenofobia varia. Quem “fundar ou constituir organização ou desenvolver atividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência raciais, ou que a encorajem” arrisca uma pena de prisão de um a oito anos.
Se o crime for cometido publicamente e em causa estejam atos de violência, difamação ou injúria “por causa da raça, cor ou origem étnica, a pena de prisão pode variar entre seis meses e cinco anos.