Apesar de já contar com um marco legal para captura e estocagem de carbono (CCS, do inglês carbon capture and storage), o Brasil ainda engatinha no que diz respeito à formação de um mercado pujante em torno da atividade, carecendo de políticas públicas que incentivem a adoção de tecnologias e investimentos. Contudo, já há exemplos no país de viabilidade técnica para captura de dióxido de carbono (CO2) em diferentes setores, o que pode ajudar a reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera.

O caso mais concreto é o da produtora de etanol de milho FS Agrisolutions. Em maio do ano passado, a empresa concluiu estudos técnicos que atestam condições geológicas adequadas para injetar CO2 no subsolo da sua planta de biocombustível em Lucas do Rio Verde (MT). Com o projeto, a companhia estima evitar o lançamento de aproximadamente 423 mil toneladas de CO2 na atmosfera por ano. A ideia é expandir o uso da tecnologia para todas as unidades da produtora, o que poderia remover mais de 1,8 milhão de toneladas de carbono do ar anualmente.

Na prática, a tecnologia desenvolvida pela FS faz a captura do dióxido de carbono, um dos principais causadores do aquecimento global, diretamente da produção de etanol de milho e o injeta em camadas geológicas profundas. O gás, dessa forma, fica armazenado no subsolo. Segundo a empresa, a capacidade de armazenamento da tecnologia é de 30 anos — com isso, ao longo desse período, a estocagem estimada para a usina de Lucas do Rio Verde é de 12 milhões de toneladas.

A companhia iniciou os estudos de estocagem de carbono em 2021, com base em projetos similares em andamento nos Estados Unidos. Em setembro deste ano, anunciou acordos para a venda futura de créditos de carbono derivados do projeto, também conhecido como BECCS (bioenergia com captura e armazenamento de carbono).

“Planejamos iniciar a construção do sistema BECCS assim que as aprovações de licenciamento forem concedidas. A nossa meta é iniciar as operações de carbono até julho de 2026”, afirma Daniel Lopes, vice-presidente de sustentabilidade e novos negócios da FS.

Inclusive, os acordos ocorreram em função de uma licença provisória concedida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), responsável por autorizar a exploração de CCS, conforme a Lei do Combustível do Futuro (Lei nº 14.993), instituída em outubro de 2024. A atividade, entretanto, ainda carece de regulamentação. O mesmo vale para a captura, utilização e armazenagem de carbono (CCUS, na sigla em inglês), que difere da CCS porque inclui também o uso do carbono em atividades industriais.

A ANP informou que, antes da regulação, promoverá consulta e audiências públicas, com o objetivo de editar uma minuta de resolução com participação social. De todo modo, o fato de não haver resolução sobre CCS não impede possíveis autorizações de projetos. Isso porque a agência adotou o uso da regulamentação experimental por projeto-piloto, autorizando atividades de captura de CO2 com fins de estocagem geológica. Até aqui, todavia, apenas o projeto da FS foi aprovado.

“A ANP ainda não usou os poderes que a lei concedeu para fazer uma regulação mais geral. Ela está olhando os projetos caso a caso, como se enquadram e se desenvolvem”, comenta Alexandre Faraco, advogado especialista em regulação e sócio do escritório Levy & Salomão Advogados. Em sua avaliação, por ainda ser um setor em desenvolvimento, o regulador acerta ao não se apressar com a edição da regulamentação, adotando uma “abordagem inteligente, mais atenta aos projetos para entender as necessidades do mercado”.

Alexandre Faraco, advogado especialista em regulação e socio do escritorio Levy & Salomao Advogados: A ANP acerta ao não se apressar com a edição da regulamentação, adotando uma “abordagem inteligente, mais atenta aos projetos para entender as necessidades do mercado” — Foto: Divulgação/Levy & Salomao Advogados Alexandre Faraco, advogado especialista em regulação e socio do escritorio Levy & Salomao Advogados: A ANP acerta ao não se apressar com a edição da regulamentação, adotando uma “abordagem inteligente, mais atenta aos projetos para entender as necessidades do mercado” — Foto: Divulgação/Levy & Salomao Advogados

Faraco, contudo, lamenta que o arcabouço legal ainda não tenha avançado em incentivos para o setor. Até aqui, há o entendimento da ANP de que projetos de CCS podem ser enquadrados como atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), levando em conta uma cláusula que determina que as empresas de petróleo e gás invistam um percentual da receita bruta em soluções de descarbonização.

Um caso que se aproveita disso é o do Instituto do Petróleo e dos Recursos Naturais (IPR) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Em novembro de 2024, a instituição inaugurou um equipamento que faz a captura direta de CO2 do ar (chamado de DAC.SI). O projeto, que conta com o apoio da petroleira Repsol Sinopec em PD&I, tem o objetivo de garantir a permanência de CO2 em reservatórios por centenas ou milhares de anos na forma de carbonatos estáveis. O investimento total supera R$ 60 milhões e, na primeira fase, o foco é avaliar a eficiência da captura de CO2 em uma planta experimental com capacidade de 300 toneladas por ano, em condições subtropicais.

O diretor do IPR da PUC-RS, Felipe Dalla Vecchia, salienta que a captura de carbono pode ser aplicada em indústrias com alta intensidade de emissões, como refinarias, siderúrgicas e cimenteiras. “Já a captura direta do ar tem um papel complementar, removendo o CO2 que já foi emitido, independentemente do setor de origem”, explica.

Nathália Weber, fundadora e diretora da associação CCS Brasil, ressalta que a produção de etanol está à frente em captura de CO2 em função de ter encontrado viabilidade econômica tanto na remoção como no mercado de crédito de carbono. Todavia, afirma que incentivos são necessários para disseminar a atividade pela economia. “Para a indústria, precisamos de políticas públicas mais específicas. Há custos mais elevados para captura e se trabalha com uma infraestrutura muito maior. Hoje, não temos um grande mercado que pague o prêmio verde que tornaria viável esse tipo de produção descarbonizada”, pontua.