A hipertensão é muitas vezes apelidada de “assassino silencioso”, uma condição que, segundo a OMS, afecta 2,5 milhões de portugueses. Segundo o mesmo estudo, cerca de metade destes hipertensos não têm a condição controlada. Por outras palavras, tendemos a negligenciar o controlo da tensão arterial. É neste contexto de saúde preventiva que a Huawei lança o Watch D2, a segunda iteração do relógio que promete fazer algo que parecia ficção científica há meia dúzia de anos: medir a pressão arterial no pulso com a fiabilidade de uma braçadeira médica, mas com o aspecto de um acessório de moda.
Durante as últimas semanas, testámos este dispositivo de forma exaustiva. Não apenas como uma peça de tecnologia, mas como um companheiro de saúde. A pergunta que se impõe é simples: será que a comodidade de ter um esfigmomanómetro no pulso justifica o preço elevado e os compromissos que é necessário fazer noutras áreas?
Um laboratório no pulso
O grande elemento diferenciador do Watch D2 não é o ecrã OLED vibrante de 1,82 polegadas, nem a habitual bateria de longa duração da marca chinesa. É a bracelete. Ao contrário de qualquer outro smartwatch no mercado, a correia deste relógio esconde uma câmara-de-ar insuflável, ligada a uma microbomba situada no corpo do dispositivo.
É admirável o trabalho de engenharia que permitiu adicionar uma bomba de ar em tão pouco espaço. O eléctrodo incluindo no botão permite um ECG mais preciso
DR
Para quem não está familiarizado com a tecnologia, a maioria dos relógios “mede” a tensão através de sensores ópticos e algoritmos de estimativa. O que exige calibrações frequentes, em que o utilizador tem de recorrer a um esfigmomanómetro tradicional para fazer medições e passar os dados indicados para o relógio. E, mesmo assim, as medições podem ser muito imprecisas.
O Watch D2 faz a medição de forma mecânica, tal como os medidores de tensão arterial de pulsos. Quando activamos a leitura, sentimos a bracelete a “abraçar” o pulso, apertando-o progressivamente até cortar a circulação momentaneamente para obter a leitura sistólica e diastólica. É uma proeza de engenharia miniaturizada que merece aplausos.
No entanto, é crucial traduzir o que isto significa na prática. Ter esta tecnologia não transforma o utilizador num médico, nem o relógio num hospital. A precisão, embora surpreendente para um dispositivo de pulso, tem as habituais “letras pequenas”. Ao compararmos os resultados com um medidor de braço, com reputação de fiabilidade (da Withings), notámos que a consistência varia.
Para obter um resultado fiável, o ritual é exigente: é imperativo estar sentado, com os pés assentes no chão, sem falar, e com o braço elevado à altura do coração — uma posição que o próprio relógio ajuda a encontrar. Se o utilizador estiver deitado ou com a postura errada, os valores podem divergir significativamente, por vezes com diferenças de 3 ou 5 pontos face ao equipamento médico. Portanto, serve para acompanhar tendências e o histórico, mas não dispensa a ida ao especialista se os valores forem alarmantes. Por isso se recomenda que se façam três medições para eliminar valores muito diferentes da média. O que nos leva a uma crítica: o próprio relógio devia propor medições múltiplas e apresentar uma média das mesmas.
Além dos habituais sensores na parte inferior da caixa do relógio, a pulseira tem um “airbag” controlado por uma microbomba
DR
Design, conforto e algumas fragilidades
Esteticamente, a Huawei conseguiu “emagrecer” o conceito. O modelo original parecia um gadget médico “quadradão”; o D2 passa despercebido como um smartwatch convencional. A unidade que testámos, em cinza com apontamentos prateados, exibe uma elegância inegável. A bracelete em pele compósita, em azul, é confortável. Mesmo para dormir, o que é essencial visto que o relógio também monitoriza a qualidade do sono e pode fazer leituras automáticas de tensão durante a noite.
Contudo, há compromissos na construção. O corpo em alumínio e o vidro do ecrã demonstraram, durante os testes, uma propensão preocupante para ganhar riscos, algo que não verificamos na gama GT Pro da mesma marca, que utiliza materiais mais nobres como o titânio e a safira.
Além disso, existe uma limitação que pode apanhar os mais distraídos desprevenidos: a resistência à água. Embora tenha certificação IP68, a Huawei desaconselha explicitamente o uso no duche, natação ou mergulho. A complexidade do sistema de bomba de ar e da bracelete insuflável não se dá bem com a imersão continuada. Para um relógio que custa cerca de 350 euros, ter de o tirar para dar um mergulho na piscina é uma desvantagem considerável face à concorrência.
A experiência HarmonyOS e a autonomia
No que toca às funções de “relógio inteligente”, o Watch D2 cumpre os requisitos básicos com a fluidez habitual do sistema HarmonyOS 6.0. As notificações chegam a tempo e horas, é possível atender chamadas via Bluetooth com boa qualidade de som e a monitorização de exercício (com GPS rápido e preciso) está presente. Contudo, o ecossistema continua fechado. As respostas a mensagens limitam-se a um teclado minúsculo no ecrã ou frases predefinidas, e a oferta de aplicações de terceiros é praticamente inexistente quando comparada com o Apple Watch ou os relógios com Google Wear OS.
A autonomia, um dos trunfos da Huawei, mantém-se sólida, mas não extraordinária. Com o ecrã sempre ligado, conseguimos cerca de seis dias de uso, incluindo meia dúzia de medições de tensão diárias. Se desligarmos o ecrã permanente, a bateria estica-se até aos dez dias. É um valor muito respeitável, embora o carregamento seja lento: demora mais de hora e meia a recuperar a energia total, o que obriga a algum planeamento.
Um ponto positivo a realçar é a independência do sistema operativo do telemóvel. Funciona tão bem com Android como com iPhone, embora os utilizadores da Apple percam algumas funcionalidades de nicho e a integração com o Apple Health não seja directa.
Veredicto
O Huawei Watch D2 é um produto de nicho, mas um nicho muito importante. Não é o melhor smartwatch do mercado em termos de funcionalidades generalistas — o Huawei Watch GT 6 faz quase tudo o que este faz (excepto a tensão arterial) por um preço mais baixo, com melhores materiais, design mais apelativo e resistência à água. E o elegante Google Pixel Watch 4 dá acesso a um grande ecossistema de aplicações, incluindo acesso fácil e constante à inteligência artificial via Gemini.
No entanto, para quem sofre de hipertensão ou precisa de monitorizar a tensão arterial com regularidade por indicação médica, este dispositivo é, sem dúvida, uma ferramenta valiosa. A conveniência de poder medir a tensão em qualquer lugar, sem ter de transportar um aparelho volumoso e barulhento, pode ser o incentivo que faltava para muitos criarem o hábito de vigiar a saúde cardiovascular.
Tipo
Smartwatch (com monitorização de tensão arterial)
Ecrã
AMOLED de 1,82 polegadas, 480×408 píxeis, até 1500 nits de brilho máximo
Materiais
Liga de alumínio (caixa) e bracelete com câmara de ar mecânica (pele compósita ou fluorelastómero)
Sensores
Sensor de pressão arterial (minibomba e bolsa de ar mecânica), acelerómetro, giroscópio, sensor óptico de ritmo cardíaco, sensor de temperatura, sensor de luz ambiente, sensor de Hall, barómetro e ECG
Localização
GNSS (GPS, GLONASS, Galileo, Beidou, QZSS)
Bateria
Autonomia: até 6 dias (uso normal com ecrã sempre ligado)
Conectividade
Bluetooth 5.2, NFC
Compatibilidade
Android 8.0 ou superior e iOS 13.0 ou superior
Funcionalidades específicas
Medição de pressão arterial via bracelete insuflável (certificação médica), monitorização ambulatória de pressão arterial, ECG, análise de rigidez arterial, monitorização da respiração durante o sono e chamadas via Bluetooth
Dimensões e peso
48,2×38,1×13,3mm; aprox. 40g (sem bracelete) ou 85g (com bracelete e airbag)
Resistência
IP68 (resistente a poeira e água), mas não recomendado para natação, duches ou mergulho
Preço
349€