Esta fotografia fez capa em jornais de todo o mundo, nos sites também. “É fome de verdade”, disse Trump dias depois, “vejo isso e não dá para fingir”. Disse que o dizia depois de ver imagens de Gaza, não especificou se esta aqui ou outras por aí, foram imagens. Mas esta imagem tornou-se icónica, falámos com o autor dela – chama-se Ahmed Jihad Ibrahim al-Arini [aviso: este artigo contém imagens que podem chocar quem as vê]

O mundo parou quando viu esta foto, parou como o mundo pára agora: por breves instantes. Mas breves instantes chegam para mudar opiniões, mudaram em alguns casos neste caso. Entre as várias fotografias que chegam de Gaza, houve uma que apareceu ao mesmo tempo nas capas de jornais e sites de vários lugares do mundo: Muhammad Zakariya Ayyoub al-Matouq tem um ano e meio e pesa seis quilos quando antes da guerra pesava nove, sofre de uma doença muscular que requer nutrição especializada e agora enfrenta desnutrição severa. A comida não chega, não chega em quantidade nem chega a todos.

O autor desta imagem de Muhammad nos braços da mãe descreve também o seu próprio estado: “Tiro estas fotografias enquanto estou com tanta fome como as crianças que fotografo”, diz numa entrevista por escrito concedida à CNN Portugal. A foto apareceu em jornais, revistas e sites internacionais, foi vista por todo o lado e por toda a gente: Ahmed Jihad Ibrahim al-Arini é o autor, quis mostrar o que Trump classificou desta maneira: “Isso é fome de verdade. Eu vejo isso e não dá para fingir“, afirmou, disse isso e mais isto: “Vocês viram as áreas onde eles realmente têm alimentos e as pessoas estão a gritar por comida lá dentro — elas estão a 35, 40 metros de distância e não as deixam passar porque têm filas organizadas, sejam elas organizadas pelo Hamas ou por quem quer que seja. Mas são filas muito rígidas, temos de nos livrar dessas filas. Mas vamos conseguir comida boa e forte. Podemos salvar muitas pessoas”. 


Ahmed Jihad Ibrahim al-Arini, aqui numa foto disponibilizada pela Getty Images, agência que divulgou para todo o mundo a foto da criança ao colo da mãe foto Getty Images

Ahmed Jihad Ibrahim al-Arini explica que “não conhecia a família”: “Vi um vídeo do Mohammed partilhado por um amigo e, ao vê-lo, fiquei chocado. Senti imediatamente que a fotografia dele tinha de chegar ao mundo porque o que estamos a viver é incrivelmente doloroso e difícil”. Procurou a família, encontrou-a numa numa tenda na zona oeste de Gaza, confrontou-se ao vivo com o que já não lhe era sequer suportável num vídeo: “Vi claros sinais de fome e do bloqueio severo no corpo dele. Desnutrição grave causada pela total ausência de alimentos, leite infantil, fraldas e outros bens essenciais de que os habitantes de Gaza são privados.” Confrontado com isso, decidiu assim: “Quis mostrar a condição da criança e como o pequeno corpo dela está a sofrer.”

Em Gaza, o número de mortes por fome subiu para 159, das quais pelo menos 90 referem-se a crianças. O exército israelita admite que a situação na Faixa de Gaza é delicada mas não delicada ao ponto de haver fome, fome não há, diz o exército israelita – que nega o que Trump diz que não dá para “fingir” que não existe, “há fome de verdade”, Trump diz até que Israel “tem muita responsabilidade” por limitar a ajuda à região. Além do que o exército de Israel nega e do que Trump contesta há ainda a versão de quem vive em Gaza, a versão é esta: “Vivemos uma realidade cheia de desespero. Não há açúcar, o açúcar tornou-se como metais e ouro, um quilo de açúcar custa 200 dólares”, descreve Ahmed Jihad Ibrahim al-Arini. São 173 euros.


A CNN Internacional, tal como a CNN Portugal, tem publicado vários trabalhos sobre a fome em Gaza e uma das histórias relatadas é precisamente a de Muhammad Zakariya Ayyoub al-Matouq. Ahmed Jihad Ibrahim al-Arini mostra num telemóvel a sua foto no site da CNN Internacional foto Getty Images

Ahmed Jihad Ibrahim al-Arini, fotojornalista freelancer, explica que a “situação catastrófica”, também para ele e para a família: “Eu perdi a nossa casa, o nosso carro, e estivemos deslocados durante o primeiro mês, perdemos tudo, já não temos nada a perder”. Mas há muito para fotografar: Ahmed Jihad Ibrahim al-Arini percorre as ruas de Gaza para tentar mostrar casos como o de Muhammad, para fazê-lo tenta estabelecer uma ligação com as famílias. “Essa ligação constrói-se através da partilha da dor. Elas querem que o seu sofrimento seja visto e ouvido pelo mundo todo. A vida aqui tornou-se um inferno e tento mostrar isso em cada imagem que capto.”

Já lá vão quase 22 meses desde o início do conflito que envolve Israel e o Hamas: sem acesso a água, a alimentos ou a outros bens, a vida em Gaza tornou-se um “inferno”. “Não há gás para cozinhar. Não há trabalho. Os alimentos e os mantimentos são escassos. Os preços são inimaginavelmente altos. O dinheiro é levantado através de uma aplicação bancária com uma comissão de 45%”, descreve à CNN Portugal Ahmed Jihad Ibrahim al-Arini. 

Naquela que é, nas palavras de Ahmed, uma “vida inimaginável”, as pessoas vivem na rua e em tendas gastas: “Os meus sentimentos estão carregados de dor e tristeza pelo estado terrível a que as pessoas chegaram. O que me motiva a cobrir e continuar a transmitir a mensagem é a ignorância do mundo em relação ao que se está a passar em Gaza. As pessoas estão exaustas de tudo”.

Apesar da “pausa tática” na atividade militar anunciada por Israel em algumas zonas de Gaza e da diminuição das restrições que impõe nas fronteiras desde o início do conflito, a ajuda humanitária que chega aos palestinianos não é suficiente e são várias as famílias que tentam a sua sorte para obter alimentos no meio do perigo e da confusão que é chegar aos camiões.  

Se por um lado Israel afirma que há ajuda humanitária disponível para chegar aos palestinianos, e que cabe agora à Organização das Nações Unidas (ONU) distribuir e fazer chegar essa ajuda, por outro lado a ONU diz que o processo não é tão fácil como parece e que Israel impõe vários entraves e que os processos burocráticos dificultam e atrasam o processo de distribuição dos bens e alimentos.  

Os pontos de distribuição são poucos, neles comanda o caos e a violência – quem se tenta aproximar deles para obter alimentos corre o risco de ser atingido por uma bala. Trump também abordou isto: “Vamos criar centros alimentares e vamos fazê-lo em conjunto com algumas pessoas muito boas. Vamos fornecer fundos, acabámos de receber biliões de dólares, temos muito dinheiro e vamos gastar um pouco de dinheiro em comida. Outras nações estão a juntar-se a nós. Então vamos criar centros de distribuição de alimentos nos quais as pessoas podem entrar sem restrições, não vamos ter cercas”.

São várias as organizações, entre elas a Organização das Nações Unidos (ONU) e os Médicos Sem Fronteiras (MSF), que se manifestam perante a situação, afirmando que a ajuda que chega não é suficiente. A Classificação Integrada da Segurança Alimentar (IPC na sigla em Inglês), uma agência de monitorização da fome apoiada pela ONU, afirma que Gaza atravessa “o pior cenário possível de fome”.

“Há fome em Gaza, não dá para fingir.”