Têm a largura de um dedo e carregam a economia global, mas são o novo alvo da guerra híbrida. Portugal, por onde passam 75% dos cabos transatlânticos, está na linha da frente para impedir um apagão digital causado por explosivos ativados à distância

Um navio civil atravessa a costa portuguesa numa rota aparentemente inofensiva. A sua tripulação tem, contudo, a missão de largar um pequeno objeto sobre um cabo de fibra ótica. Só que esse objeto não explode com impacto imediato, nem nas horas seguintes. Permanece intocado no fundo do mar, junto à infraestrutura crítica, a “dormir” durante anos. Até que um dia, um sinal sonoro muito específico lhe envia uma ordem, a carga é detonada e o caos começa. Países ficam sem internet, sistemas financeiros deixam de funcionar e os serviços críticos perdem a capacidade de resposta. 

Esta é uma ameaça real e que está a preocupar a marinha portuguesa. O alerta foi dado pelo contra-almirante Nuno Sardinha Monteiro, chefe de Gabinete do Chefe de Estado-Maior da Armada, durante a edição CNN Summit dedicada ao Mar. Segundo o responsável, a guerra híbrida trouxe para o fundo do mar táticas cada vez mais sofisticadas. 

“O lançamento para o fundo do mar de dispositivos explosivos improvisados é uma ameaça que existe. Estes dispositivos são deixados cair junto aos cabos e depois podem ser ativados até por forma acústica um ou dois anos depois”, alerta Nuno Monteiro.

E a preocupação é justificada. Hoje, quase 100% das comunicações feitas por todo o mundo acontecem através destes cabos. Isso significa que as redes que utilizamos para trabalhar, em casa ou no escritório, muitas das comunicações via WhatsApp ou outras redes sociais e grandes transações financeiras estão dependentes do que passa por estes cabos. E grande parte dessas comunicações passam pela nossa Zona Económica Exclusiva: cerca de 10% a 15% dos cabos de todo o planeta passam por esta área.

No passado, a própria marinha já tinha confirmado que a Rússia tinha realizado ações de espionagem nas rotas de cabos submarinos na costa portuguesa. Além disso, um dos principais aliados de Putin, o antigo presidente Dmitry Medvedev, já admitiu que a Rússia não terá “constrangimentos” de qualquer ordem que os previnam de “destruir os cabos de comunicação” ocidentais. 

“Os cabos submarinos são de facto uma infraestrutura fundamental na sociedade contemporânea […]. No entanto, eles são bastante vulneráveis. Um cabo submarino tem mais ou menos a largura de um dedo, vão enterrados a meio metro de profundidade, e depois jazem no leito do mar, ao longo dos oceanos. E portanto são vulneráveis a danos, a interrupções, a ataques maliciosos e a destruição por causas naturais”, afirma Nuno Monteiro.

O exemplo do que pode acontecer não é teórico: desde as explosões no gasoduto Nord Stream, em setembro de 2022, o Mar Báltico já registou 11 incidentes de danos ou interrupções em infraestruturas críticas submarinas. Por esse motivo, a marinha portuguesa está a “desenvolver técnicas e procedimentos” para ir ao fundo do mar para detetar ameaças juntos aos cabos, em caso de suspeita de ameaça. 

A estratégia para “caçar” estas ameaças adormecidas passa a envolver veículos não tripulados, também conhecidos como drones subaquáticos, que patrulham as profundezas do oceano. “Estamos a desenvolver técnicas utilizando veículos que vão até cerca de mil metros de profundidade e que conseguem detetar se existem ameaças junto aos cabos”, explica o oficial.

Mas essa não é a única solução. Portugal está a testar uma tecnologia inovadora que transforma a própria fibra ótica do cabo num sensor de vigilância. O sistema permite detetar “oscilações” nas fibras causadas pela aproximação de navios à superfície, permitindo às autoridades perceber, a partir de terra, se uma embarcação suspeita está a flutuar sobre um cabo sensível.

Caso os sensores ou os drones detetem um destes explosivos “adormecidos”, entra em ação a capacidade de intervenção da marinha portuguesa. Os militares dispõem de ROVs (Remotely Operated Vehicles), como o robô Luso, com capacidade para operar até aos 6 mil metros de profundidade. A missão, nesse caso, deixa de ser apenas vigiar e passa a ser, nas palavras do contra-almirante, “ir lá e retirar as ameaças” antes que o sinal sonoro seja enviado.