O Observador falou com algumas mulheres que adotam a prática de tempos em tempos, que preferiram não se identificar, mas relatam o que as levaram à abstinência — e o que tiraram da experiência. Catarina (nome fictício), de 30 anos, conta que foi durante um período de celibato de três meses que se descobriu bissexual. “Envolvia-me muito com ‘boys lixo’, então foi como uma desintoxicação, para começar a fazer escolhas melhores”, explica, afirmando que “se não estivesse nesse momento de celibato talvez não me tivesse aberto para isso”. Já Luísa (nome fictício), de 31, diz que depois de viver experiências casuais não sente mais vontade de ter relações “com qualquer um”. “Hoje sei o que me faz bem ou não. Às vezes acabo por ter deslizes, mas depois vejo como foi mau”, diz. “Não é bom viver sem sexo”, pondera, mas agora procura “ligações mais genuínas”.

É sobre este autoconhecimento que escreve Catherine Gray em The Unexpected Joy of Being Single, ou, em português, a “alegria inesperada de ser solteira”. Ao The Guardian, a escritora britânica fala sobre o ano em que decidiu abdicar do namoro — e do sexo. “Entre os 16 e os 34 anos não passei mais do que alguns meses solteira. Sentia-me incompleta sem alguém e constantemente em busca de aprovação. Desabei completamente e atingi o fundo do poço depois de um relacionamento de seis meses que falhou”, revela a escritora, que diz que o celibato ajudou-a a descobrir mais sobre si mesma. “Ao invés de fazer o que o meu namorado queria, descobri o que eu gostava. Desenvolvi amor pelo yoga, fotografia e viagens. Passei a vestir-me de forma diferente e não me preocupava mais em atrair homens. Comecei a ver-me como uma pessoa ao invés de uma namorada ou objeto sexual“, assume, destacando que o ano de celibato serviu também para alterar as suas dinâmicas de namoro. “Se me sinto insegura nos primeiros estágios de uma relação sei que é porque estou a sair com alguém que está emocionalmente indisponível, então afasto-me”. De acordo com a sexóloga Sara Malcato, abster-se de relações íntimas por um período permite “parar, desacelerar e focar-se no que se quer, deseja e procura, quem é que se é na relação com o outro e consigo: “Quando paro e me exploro, descubro coisas incríveis sobre mim”.

Paralelamente aos movimentos pelo empoderamento feminino, há cada vez mais quem associe a abstinência sexual a uma componente holística. Um dos vídeos mais populares do TikTok com o tema “celibato” é um trecho do podcast do influencer britânico Jay Shetty no qual dá a definição do termo “Brahmacharya” e fala sobre como o sexo é também uma “troca de energias”. Shetty viveu como um monge védico por três anos, e partilha nas redes sociais as suas experiências — o podcast do influencer já recebeu nomes como a atriz Emma Watson ou Madonna. “A palavra para a vida de monge em sânscrito é “Brahmacharya”, que significa o direcionamento correto da energia. Não se está a tentar suprimir a energia sexual, mas direcioná-la de uma forma saudável. Não incentivo ninguém a abandonar os relacionamentos. Não estou a dizer para as pessoas serem celibatárias, mas terem um período na vida em que pratiquem a solitude, para que estejam confortáveis com quem são”, explica, em entrevista à Vogue Singapura.

@jayshetty

It’s about energy ❤️

♬ Stories 2 – Danilo Stankovic

Em conversa com a própria terapeuta, Haesue Jo, no podcast On Purpose, Shetty considera que estes três anos permitiram-lhe “clarificar o que o amor” era para si e “o tipo de relacionamento que queria”, destacando que trabalhou ferramentas essenciais para um relacionamento, como a “paciência, o comprometimento, o saber ouvir e a compreensão”. “Monges não namoram e a principal razão é criar um senso de foco e alinhar a energia. É o mesmo que ter uma carreira: como monge, não temos trabalho. Não usámos a nossa energia para mais nada ou mais ninguém. Assim temos a oportunidade de focar no interior, mais profundamente. Não é sobre mulheres serem más, ou certo género é mau. É sobre limitar as distrações, para perseguir a autorealização”, explica. “Não é preciso tornar-se monge, mas podes dedicar tempo à terapia, por exemplo. O conceito de investir a sua energia em autorealização é muito bom.”

O mesmo defendia o controverso Osho, líder espiritual indiano que chegou a esconder-se em Sintra em 1986 depois de ser condenado por fraude na imigração e deportado dos Estados Unidos da América. O homem que chegou a ser chamado “guru do sexo” por pregar a liberdade sexual e liderar rituais que envolviam práticas sexuais, dizia que o celibato “não deve ser forçado violentamente”. “A pessoa precisa de estar consciente dos atos sexuais e, com consciência, deve mudar aos poucos para o celibato”, disse, numa das suas palestras que se tornou livro.O celibato deve ser adotado lentamente. Tudo o que o trouxer à sexualidade deve ser abandonado aos poucos, em passos. E quando começar a desfrutar da energia que se torna disponível, quando não estiver mais obcecado pelo sexo, quando aquela energia se tornar pura dança dentro de si, a isto chama-se ‘enriquecer’”, disse o líder da comunidade Rajneeshpuram, que foi retratada na série da Netflix Wild Wild Country.

Jovens nascidos a partir dos anos 2000 parecem ter menos relações sexuais e com menor frequência, segundo relatórios como o da Health Behaviour in School-aged Children, desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde, que documenta atrasos na iniciação sexual e no uso de métodos contracetivos e estudos como o feito em 2020 pelo Instituto Karolinska, na Suécia, em conjunto com a Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, que ouviu pessoas de 18 a 24 anos e revelou que 31% dos homens e 19% das mulheres não haviam tido nenhuma relação sexual nos 12 meses anteriores à entrevista.