A rodear o nosso sistema solar existe um escudo cósmico natural e enigmático chamado heliosfera — e uma nova missão foi lançada para ajudar os astrónomos a compreendê-lo melhor.

Criada pelo vento solar, um fluxo constante de partículas carregadas que se afastam do Sol, a heliosfera funciona como uma enorme bolha que protege os planetas da radiação cósmica que permeia a Via Láctea, a nossa galáxia.

Para além do campo magnético da Terra, a heliosfera desempenha um papel essencial em explicar porque é possível a vida no nosso planeta — e talvez como terá sido possível noutros, como Marte.

Mais de meia dúzia de missões contribuíram para o conhecimento atual sobre a heliosfera, e duas sondas ainda operacionais — as Voyager — recolheram dados cruciais depois de atravessarem este limite e de explorarem o espaço interestelar.

Mas a nova missão IMAP (Interstellar Mapping and Acceleration Probe) foi projetada para investigar como o Sol forma o vento solar, e como esse vento interage com o espaço interestelar nos limites da heliosfera, que começam a uma distância três vezes superior à que separa a Terra de Plutão, segundo a NASA.

 


Esta imagem mostra a missão IMAP a ser colocada na câmara de vácuo térmico do X-Ray and Cryogenic Facility do Centro Espacial Marshall da NASA, em Huntsville, Alabama, em março. Ed Whitman/NASA/Johns Hopkins APL/Princeton

Os dez instrumentos da sonda irão preencher lacunas no mapa existente da heliosfera — construído a partir de dados de missões anteriores — e ajudar a explicar como a heliosfera protege o sistema solar de raios cósmicos perigosos, as partículas mais energéticas do Universo.

Em conjunto com outras duas missões de meteorologia espacial que partiram no mesmo foguetão esta quarta-feira, o IMAP ajudará os cientistas a prever melhor quando tempestades solares podem afetar o nosso planeta. Quando apontadas à Terra, estas tempestades podem representar riscos para astronautas na Estação Espacial Internacional e interferir com comunicações, redes elétricas, navegação e satélites.

“Este novo conjunto de missões é a carpool cósmica definitiva”, disse Joe Westlake, diretor da Divisão de Heliofísica da NASA, numa conferência de imprensa. “Vão fornecer uma visão sem precedentes do clima espacial. Cada pessoa na Terra, bem como quase todos os sistemas ligados à exploração espacial, são afetados por ele.”
 

Mapear a heliosfera

A heliosfera foi teorizada pela primeira vez no final da década de 1950 por vários cientistas que investigavam os raios cósmicos e o vento solar. Acreditavam que o Sol criava uma teia de campos magnéticos e vento solar que formava um limite à volta do sistema solar.

A Mariner 2, primeira missão bem-sucedida a outro planeta, mediu o vento solar durante o voo por Vénus em 1962, provando a sua existência. Medições diretas feitas pelas missões Pioneer 10 e 11, nos anos 1970, e depois pelas Voyager, reforçaram esta evidência.

Os cientistas querem saber como são exatamente os limites da heliosfera — algo que as Voyager ofereceram apenas em breves vislumbres. São as únicas sondas a ter atravessado esta fronteira.

A Voyager 1 cruzou a fronteira em 2012; a Voyager 2, mais lenta, fê-lo em 2018. Cada uma forneceu dados num ponto específico. Esta informação ajuda hoje a perceber que a heliosfera tem uma forma semelhante a um cometa.

O satélite IBEX (Interstellar Boundary Explorer) tem vindo a mapear a heliosfera desde 2008. Mas o IMAP poderá fazê-lo de forma inédita: tem instrumentos mais rápidos, com resolução 30 vezes superior.


Este gráfico mostra a posição das sondas Voyager 1 e Voyager 2 em relação à heliosfera, a bolha protetora criada pelo Sol e que se estende muito além da órbita de Plutão. NASA/JPL-Caltech

Quando atingir uma órbita a cerca de 1,6 milhões de quilómetros da Terra, dentro de três meses, o IMAP irá observar em tempo real o vento solar, medir partículas vindas do Sol, estudar a fronteira da heliosfera a 9,7 a 14,5 mil milhões de quilómetros de distância e até recolher dados do espaço interestelar.

O IMAP irá medir átomos neutros energéticos (ENAs), partículas sem carga formadas quando um ião energético colide com um átomo neutro de movimento lento. Como não têm carga, viajam em linha reta e não são desviados por campos magnéticos. Assim, o IMAP pode detetar ENAs perto da Terra e rastrear a sua origem até regiões invisíveis da heliosfera.

“Vai produzir imagens incrivelmente detalhadas da região de interação e mostrar como funciona este escudo do sistema solar”, explicou David McComas, investigador principal do IMAP e astrofísico em Princeton. Ele acrescentou que sistemas semelhantes à heliosfera — astrosferas — já foram observados em redor de outras estrelas.


Um foguetão Falcon 9 da SpaceX com as missões IMAP, Carruthers Geocorona Observatory e SWFO-L1 da NOAA na plataforma de lançamento 39A do Centro Espacial Kennedy, na Florida, ao nascer do sol de 22 de setembro. SpaceX/NASA

Monitorizar o clima espacial

O IMAP foi lançado juntamente com o Carruthers Geocorona Observatory da NASA e o SWFO-L1 da NOAA num Falcon 9 da SpaceX, a partir do Centro Espacial Kennedy, este mês às 12h30 (hora de Lisboa). A NASA transmitiu o lançamento em direto no YouTube.

O Carruthers Geocorona Observatory é um pequeno satélite dedicado à observação da exosfera, a camada mais externa da atmosfera terrestre. A missão irá captar imagens do ténue brilho ultravioleta da geocorona para ajudar a responder a perguntas sobre a forma, tamanho e densidade da exosfera.

A missão tem o nome de George Carruthers, que desenvolveu a primeira câmara ultravioleta usada na Lua, colocada durante a missão Apollo 16. A câmara, ainda na região montanhosa Descartes, captou a primeira imagem da geocorona em 1972.


A primeira imagem da atmosfera externa da Terra, a geocorona, captada por um telescópio concebido e construído por George Carruthers. G. Carruthers (NRL) et al./Far UV Camera/NASA

A missão Carruthers medirá as mudanças e efeitos do clima espacial à medida que este chega à Terra, dado que a exosfera é a fronteira de transição entre a atmosfera e o espaço.

Entretanto, a missão SWFO-L1 servirá como detetor de tempestades solares, oferecendo avisos antecipados para proteger astronautas em órbita baixa e satélites essenciais para as comunicações. Será ainda mais necessária quando astronautas viajarem para além da órbita terrestre.

O SWFO-L1 possui um coronógrafo compacto que monitorizará a atividade do Sol e medirá o vento solar, enviando dados quase em tempo real para o Centro de Previsão do Clima Espacial da NOAA.

“Os dados essenciais do SWFO-L1 são a nossa linha de vida para manter as luzes acesas, os aviões a voar e os satélites seguros, garantindo que os Estados Unidos estão preparados para o que o Sol nos enviar”, afirmou Clinton Wallace, diretor do centro.