Cientistas relataram nesta semana a detecção de raios em Marte. No entanto, o que eles observaram não foram os relâmpagos irregulares e de alta voltagem que conhecemos na Terra, que rasgam o céu das nuvens até o solo. Segundo os estudos, o fenômeno marciano é mais sutil: a sensação seria comparável ao pequeno choque estático que sentimos ao tocar em uma maçaneta de metal após caminhar sobre um tapete em um dia frio de inverno.

“É como um mini-raio em Marte”, explicou Baptiste Chide, cientista do Instituto de Pesquisa em Astrofísica e Ciência Planetária de Toulouse, França, referindo-se às descargas elétricas de escala centimétrica. As descobertas de Chide e sua equipe foram detalhadas em um estudo publicado na revista científica Nature.

O aspecto mais fascinante da descoberta é como ela foi feita. Curiosamente, ninguém viu um mini-raio marciano, já que a detecção foi auditiva. Um microfone a bordo do rover Perseverance, da NASA, captou o som da descarga elétrica — o equivalente a um “mini-trovão”. O som, longe de ser estrondoso, é um estalo de estática.

A gravação capturou uma paisagem sonora complexa: o ruído de baixa frequência do vento enquanto um dust devil (um redemoinho de poeira ou pequeno tornado) passava sobre o Perseverance, o som dos grãos de poeira atingindo o robô e, finalmente, um som mais alto e distinto: a descarga elétrica.

Perigo para os astronautas?

Embora essas faíscas elétricas não possuam a violência dramática dos raios terrestres, elas podem desempenhar um papel crucial nas reações químicas da atmosfera marciana. Mas o que isso significa para os futuros exploradores humanos?

Para os astronautas que pisarem no planeta vermelho, esses choques minúsculos não representam risco de eletrocussão. “Claro que isso não vai te matar”, assegurou o Dr. Chide.

Entretanto, há uma preocupação tecnológica. Com o tempo, essas descargas elétricas — essencialmente curtos-circuitos saltando entre moléculas de gás — poderiam interferir ou danificar dispositivos eletrônicos e até mesmo os trajes espaciais. O novo conhecimento será vital para engenheiros projetarem espaçonaves e equipamentos mais resistentes para futuras missões a Marte.

Raios já haviam sido observados em outros planetas do sistema solar, como nas atmosferas de Júpiter e Saturno. Como Marte é frio e seco, cientistas há muito tempo teorizavam que cargas elétricas poderiam se acumular no ar, especialmente durante tempestades de poeira, quando as partículas se atritam e geram descargas.

Buscas anteriores por tais fenômenos produziram dados ambíguos e contraditórios. As novas medições do Perseverance, contudo, parecem ter encerrado o debate.

“É muito interessante, muito significativo e, creio eu, a evidência observacional mais direta que temos de atividade elétrica na atmosfera de Marte até hoje”, disse Giles Harrison, professor de física atmosférica da Universidade de Reading, na Inglaterra, que não participou do estudo. “Acho bastante convincente.”