Uma equipa de cientistas da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e do Instituto Leibniz para a História e Cultura da Europa de Leste, em Leipzig (Alemanha), utilizou uma combinação de dados climáticos e provas documentais para reconstituir a sequência de acontecimentos que levaram à pandemia mais devastadora da história, que em algumas regiões causou a morte de 60% da população.
A investigação, publicada na revista Communications Earth & Environment, sugere que uma erupção vulcânica – ou uma série de erupções – por volta de 1345 produziu uma nuvem de cinzas e gases vulcânicos que provocou uma descida acentuada das temperaturas durante vários anos consecutivos e arruinou as culturas agrícolas em toda a região do Mediterrâneo.
Em resposta a este desastre, e para evitar a agitação social ou a fome, as cidades-Estado italianas começaram a fazer comércio com os produtores de cereais da costa do mar Negro. Esta mudança nas rotas comerciais garantiu o abastecimento de alimentos à população, mas também serviu de ponto de entrada para a bactéria causadora da peste, a Yersinia pestis.
O estudo utilizou dados naturais e históricos de alta qualidade para estabelecer uma ligação directa entre o clima, a agricultura, o comércio e as origens da Peste Negra.
Investigador a recolher amostras dos anéis de crescimento das árvores nos Pirinéus
Ulf Büntgen
Os investigadores confirmaram a erupção vulcânica graças a informações contidas nos anéis de crescimento das árvores dos Pirenéus espanhóis, onde “anéis azuis” consecutivos indicam Verões excepcionalmente frios e húmidos em 1345, 1346 e 1347 em grande parte do Sul da Europa. E embora um único ano frio não seja invulgar, os Verões frios consecutivos são extremamente raros, observaram os autores do estudo.
Além disso, as provas documentais do mesmo período indicam uma cobertura de nuvens invulgar e eclipses lunares escuros, confirmando a actividade vulcânica.
O agravamento das condições climatéricas, desencadeado pela actividade vulcânica, levou a más colheitas, perdas de colheitas e fomes em todo o continente europeu, com excepção das repúblicas marítimas italianas de Veneza, Génova e Pisa, que importaram cereais da Horda Dourada, o Império Mongol, em 1347.
Amostras, vistas ao microscópio, dos anéis de crescimento das árvores dos Pirenéus, que indicam os “anéis azuis” relativos aos anos mais frios
Ulf Büntgen
“Durante mais de um século, estas poderosas cidades-Estado italianas estabeleceram rotas comerciais de longa distância através do Mediterrâneo e do mar Negro, o que lhes permitiu activar um sistema altamente eficaz para evitar a fome”, mas que, em última análise, “inadvertidamente as levou a uma catástrofe muito maior”, analisou Martin Bauch, historiador do clima medieval do Instituto Leibniz de História e co-autor do estudo.
É muito provável que os navios que transportavam cereais do mar Negro também transportassem pulgas infectadas com Yersinia pestis, como investigações anteriores já tinham indicado.
Quando as pulgas infectadas chegaram aos portos do Mediterrâneo, no século XIV, em navios carregados de cereais, tornaram-se vectores de transmissão da doença, permitindo que a bactéria saltasse dos hospedeiros mamíferos – sobretudo roedores, mas também animais domésticos – para os humanos.
A doença espalhou-se rapidamente pela Europa, devastando a população.
Os investigadores concluíram que a “tempestade perfeita” de factores climáticos, agrícolas, sociais e económicos, que ocorreu após 1345 e conduziu à Peste Negra, pode ser vista como um exemplo precoce das consequências da globalização.