A possibilidade de redução das áreas geográficas nacionais onde serão distribuídos jornais, que afectará particularmente os concelhos do interior, anunciada pela Vasp, a única empresa a fazê-lo, está a gerar inúmeras reacções de preocupação por parte de dezenas de autarcas. Aos protestos dos municípios junta-se também a apreensão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que classifica a situação, a concretizar-se, de “grave” e “susceptível de impacto negativo na garantia do acesso à informação”.
As reacções surgem depois da Vasp – Distribuição e Logística, S.A., ter anunciado que está a avaliar a necessidade de fazer ajustamentos na distribuição diária de jornais em oito distritos: Beja, Évora, Portalegre, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real e Bragança.
“A ERC encontra-se a recolher informação complementar sobre o anúncio efectuado pela Vasp e actuará no âmbito das suas competências”, refere a entidade reguladora em comunicado. E acrescenta que tem em conta “a forte dependência dos órgãos de comunicação social face à VASP”, lembrando que tem “reiterado ao longo dos anos a necessidade de se assegurar que a posição dominante da distribuidora não seja exercida de forma prejudicial ao sector”.
O comunicado da ERC dá ainda conta de que alguns grupos editores de publicações periódicas têm manifestado junto do regulador dos media descontentamento por aumentos de preços de distribuição praticados pela distribuidora Vasp, o que desencadeou diligências da ERC junto da Autoridade da Concorrência.
Refira-se que a empresa alega estar a atravessar “uma situação financeira particularmente exigente, resultante da continuada quebra das vendas de imprensa e do aumento significativo dos custos operacionais, que colocam sob forte pressão a sustentabilidade da actual cobertura de distribuição de imprensa diária”.
A empresa adianta que “nenhuma decisão definitiva foi ainda tomada”, mas o que anunciou é suficiente para deixar dezenas de autarcas preocupados.
Entretanto, do lado do Governo, a que alguns autarcas apelam para que faça alguma coisa, há apenas uma reacções do ministro da Presidência, Leitão Amaro, que defendeu que qualquer solução pública que ajude a assegurar a distribuição de imprensa no território nacional implicará sempre “mecanismos concorrenciais” e não passar cheques a uma empresa em concreto.
“Não há nenhum operador que possa tomar por garantido, ou ter da parte do Governo [alguma] garantia de que [o Estado] lhe vai dar [algum] subsídio dessa monta”, afirmou Leitão Amaro, no final do Conselho de Ministros desta quinta-feira.
Leitão Amaro, que tutela a pasta da comunicação social, ressalvou que não quer “criar nenhum instrumento de dependência” que envolva o dinheiro dos contribuintes direccionado para uma empresa em específico. “Não quero passar cheques a nenhuma empresa em concreto”, disse, numa referência indirecta à Vasp.
Entre protestos e apelos, o presidente da Comunidade Intermunicipal (CIM) Viseu Dão Lafões, disse esperar “que haja solução para evitar esta situação que seria preocupante, limitadora da aculturação e da informação junto das populações que precisa dessa informação para ter conhecimento, cultura, educação e formação”.
Em declarações à Lusa, João Azevedo, também presidente da Câmara Municipal de Viseu lembrou que, já em 2024, tinha acontecido “a mesma coisa, mas a uma escala mais pequena, afectando apenas alguns concelhos do interior e, na altura, o problema foi resolvido”. A distribuição diária dos jornais é um “serviço fundamental para a democracia, porque a informação e conhecimento tem de chegar a todos, nomeadamente junto das populações do interior”, referiu ainda o autarca do distrito de Viseu, um dos que consta da lista avançada pela Vasp.
Também o presidente da Comunidade Intermunicipal Região Beiras e Serra da Estrela (CIMRBSE) considera a eventual redução “penalizadora” nos distritos da Guarda e Castelo Branco. “Esta possibilidade, a concretizar-se, é penalizadora para os territórios de baixa densidade, as pessoas que aqui vivem também são portugueses de primeira”, reagiu Carlos Condesso, à agência Lusa.
“Hoje em dia, o nosso território já não fica assim tão longe como estava há décadas. Temos boa rede viária, auto-estradas, já chegamos a todo o lado mais rapidamente porque as distâncias são muito menores”, considera Carlos Condesso, também autarca de Figueira de Castelo Rodrigo. Dando ainda conta do contributo do fim das portagens nas auto-estradas A23 (Guarda-Torres Novas) e A25 (Aveiro-Vilar Formoso). “Tem de haver uma solução e mecanismos que respeitem as questões concorrenciais”, afirmou, garantindo que, nas Beiras e Serra da Estrela, os seus 15 municípios estão unidos “para que a imprensa chegue a cada cidade, a cada vila, a cada rua” desta Comunidade Intermunicipal.
Governo recusa chantagem
A reacção do presidente da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa (CIMBB) não difere da dos anteriores. “Olhamos para esta possibilidade com preocupação e esperando que seja apenas uma intenção e uma forma de pressão da empresa para conseguir outros intentos”, João Lobo.
“Estamos atentos e a seguir o desenvolvimento desta circunstância, porque, se por algum motivo esta intenção da Vasp se tornar numa realidade, vamos ter de agir de forma a antecipar esta situação e encontrar uma solução equilibrada para estes territórios”, defendeu o também presidente da Câmara de Proença-a-Nova.
A sul, a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (CIMBAL) e a do Alentejo Central (CIMAC) assumem “total incredulidade” e preocupação.
“Vemos esta situação com profunda preocupação e total incredulidade. Temos dificuldade em aceitar que metade de Portugal, que é permanentemente esquecida e deixada para trás em tantas áreas, agora também deixe de ter o direito a estar informada e a ler jornais em papel”, frisou o presidente da CIMBAL, António José Brito. Este responsável, autarca em Castro Verde, sustenta que “o Governo tem a responsabilidade de resolver esta situação e é pouco compreensível que se escude nos ‘mecanismos concorrenciais’ para deixar surgir esta ameaça”.
O presidente da CIMAC e também autarca de Évora, Carlos Zorrinho, defende que, se a Vasp, empresa que distribui os jornais pelo país, “não está em condições de o garantir, é preciso reforçar com essa empresa ou com outra, porque esta é uma prioridade absoluta”. “O Governo tinha colocado como prioridade, com a qual concordo totalmente, o apoio à chegada da informação, por meios físicos, digitais e outros, à população”, disse o autarca, esperando agora que “haja uma acção rápida que assegure o acesso universal à informação”.
A norte, o presidente da Câmara de Vila Real também manifesta “a sua profunda preocupação e total oposição a uma medida que representa um claro retrocesso no acesso à informação, um direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa”. Alexandre Favaios garante que “Vila Real não aceitará que os seus cidadãos fiquem privados do acesso regular a jornais e revistas”.
Entretanto, também os três deputados eleitos por Bragança expressaram este domingo preocupações com a possível falta de jornais nos territórios do interior.
“O Governo duplicou o porte pago e tem subsidiado entregas em municípios do interior quando fecharam rotas. Há uma preocupação, da parte do Governo, com a coesão territorial e com o acesso à comunicação social de qualidade”, explicou o deputado Nuno Gonçalves.
Segundo os parlamentares sociais-democratas, “o governo não quer criar instrumentos de dependência, nem quer passar cheques a empresas em concreto, e entende que qualquer solução deve ser concorrencial”.
“O Governo afirma que não vai ceder a chantagens e que o pagamento da distribuição deve ser assegurado por quem produz a imprensa”, afirmaram.
Por seu lado, a deputada Júlia Rodrigues, eleita pelo Partido Socialista (PS), manifestou também à Lusa, a sua “profunda preocupação” com a possibilidade de a empresa Vasp poder vir a cessar a distribuição de jornais em todo o interior do país. Com Lusa
Notícia actualizada às 15h10 com declarações do ministro da Presidência sobre comunicado da Vasp e posição dos deputados eleitos por Bragança.