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“Se tivéssemos chegado uma semana antes, teríamos uma imagem completamente diferente de Urano”
O cinturão de radiação de iões de Urano afinal não é tão fraco como as primeiras observações da Voyager 2 sugeriam. Como é que o sistema do gigante gelado consegue manter tanta radiação aprisionada?
Os dois “gigantes gelados” do Sistema Solar, Urano e Neptuno, continuam a ser os planetas menos explorados entre todos os que orbitam o nosso Sol.
Devido à enorme distância que nos separa deles, a primeira sonda a estudá-los de perto foi a Voyager 2, que continua a ser a única missão a realizar um simples sobrevoo destes mundos.
O que a icónica sonda revelou deu origem a inúmeros enigmas sobre ambos os planetas, os seus sistemas de luas e outras características. Quando passou por Urano, por exemplo, a Voyager registou um cinturão de eletrões muito intenso, com níveis de energia bastante superiores ao esperado.
Desde então, os cientistas estudaram milhares de gigantes gasosos para lá do Sistema Solar e fizeram comparações que só aumentaram o mistério: como é que o sistema de Urano consegue manter tanta radiação de eletrões aprisionada?
Num estudo recentemente publicado na revista Geophysical Research Letters, investigadores do Southwest Research Institute (SwRI) avançam a hipótese de que os resultados das observações da Voyager 2 possam ter sido causadas por uma estrutura do vento solar.
À semelhança do que acontece na Terra, onde processos impulsionados por tempestades de vento solar têm efeitos profundos na magnetosfera, a equipa sugere que uma “região de interação co-rotativa” estaria a atravessar o sistema quando a Voyager 2 realizou o seu histórico sobrevoo.
A investigação foi liderada por Robert C. Allen, físico espacial e cientista principal da Divisão de Ciências Espaciais do SwRI. No trabalho participaram também a cientista principal Sarah Vines e o gestor sénior de programa George C. Ho.
Até hoje, a sonda Voyager 2 forneceu as únicas medições diretas do ambiente de radiação em torno de Urano. A partir desses dados construiu-se a visão, amplamente aceite, de que teria um cinturão de radiação de iões relativamente fraco e um cinturão de radiação de eletrões extremamente intenso.
No entanto, ao reanalisar os registos da sonda, a equipa encontrou indícios de que as observações não foram feitas em condições “normais” de vento solar. Em vez disso, os autores sugerem que o sobrevoo coincidiu com a passagem de um evento transitório de vento solar pelo sistema.
Esse evento terá produzido as ondas de alta frequência mais intensas observadas durante toda a missão Voyager 2, dizem os autores do estudo, num comunicado da SwRI.
Na altura, os cientistas pensavam que essas ondas iriam dispersar os eletrões, que acabariam por se perder na atmosfera de Urano. Entretanto, a investigação espacial mostrou que, em determinadas circunstâncias, as mesmas ondas podem também acelerar eletrões e injetar energia adicional nos sistemas planetários.
Foi com isto em mente que a equipa comparou as observações da Voyager 2 com eventos semelhantes registados na Terra – e encontrou paralelos claros.
“A ciência avançou muito desde o sobrevoo da Voyager 2. Decidimos seguir uma abordagem comparativa, olhando para os dados da Voyager 2 e comparando-os com observações da Terra que fizemos nas décadas seguintes”, afirma Allen no comunicado do SwRI.
“Em 2019, a Terra experimentou um destes eventos, que causou uma aceleração imensa de eletrões nos cinturões de radiação”, acrescenta Sarah Vines. “Se um mecanismo semelhante tiver interagido com o sistema de Urano, isso explicaria porque é que a Voyager 2 detetou toda esta energia adicional inesperada.”
A abordagem comparativa usada no estudo sugere que interações entre o vento solar e a magnetosfera de Urano poderão ter gerado ondas de alta frequência capazes de acelerar eletrões a energias correspondentes a velocidades próximas da da luz.
O trabalho levanta também várias questões adicionais sobre a física fundamental por detrás destas ondas intensas e sobre a sequência de acontecimentos que lhes deu origem.
“É mais um motivo para enviar uma missão especificamente dedicada a Urano. As conclusões têm implicações importantes para sistemas semelhantes, como o de Neptuno”, conclui Allen.