Com apenas 23 anos, João Maria Botelho já conta com um percurso profissional que poderia facilmente pertencer a alguém com o dobro da sua idade. Licenciado em Direito pela Nova School of Law, o jurista, distinguido, em 2024, pela Forbes Under 30 como um dos ‘distinguished under 30 achievers’ na categoria de Sustentabilidade & Inovação Social, conta ao SAPO que o ‘bichinho da sustentabilidade sempre o acompanhou’, mas foi o estágio na Global Alliance for a Sustainable Planet, realizado durante o segundo ano da faculdade, que o fez entender que era nisso que se queria dedicar profissionalmente. “A partir desse momento, virei totalmente o meu foco para esta área. Entrei em centros de investigação na faculdade dedicados à sustentabilidade, escolhi cadeiras de Direito que se relacionassem com o tema, como Law and Technology ou Law and Sustainability, e, mesmo na licenciatura, pedi autorização para fazer cadeiras de mestrado, como Direito da Energia ou Transição Justa. Portanto, foi realmente no segundo ano que percebi o caminho que queria seguir”, explica.
Orador em vários fóruns nacionais e internacionais, nomeadamente no Parlamento Europeu, Nações Unidas e Conferência Climática de Bonn, João Maria Botelho acredita que é através do diálogo que se caminha na direção da mudança. “Eu adoro falar, mas também adoro ouvir. E acho que os maiores projetos em que estive envolvido nasceram de pequenas conversas que depois levaram à ação. Um dos meus lemas é mesmo ‘Impacto Local para Impacto Global’.” No entendimento do jovem jurista, a solução para a crise climática passa longe de bloquear estradas e vandalizar espaços públicos com tinta verde: “Acredito que muitos desses movimentos mais disruptivos produzem ruído, aparecem nas notícias, sem dúvida, mas, se perguntar às pessoas que lá estão porquê, o que procuram, o que querem alcançar ou o que as motiva, rapidamente se percebe que a base nem sempre é sólida”, declara. “Quando surgem rótulos como ‘ativista’, eu não me revejo totalmente. Considero-me um actionist [agente de ação]. Normalmente levo soluções, falo quando sei, ouço quando não sei e reconheço isso. Acredito muito no poder da intergeracionalidade, de ouvir os mais velhos. Não é aquela visão de que ‘eles fizeram tudo mal e nós é que sabemos’. Muitas das coisas que faço, faço pedindo ajuda. Por isso, a minha abordagem é mais direcionada para construir pontes do que para erguer muros de divisão”, confessa ao SAPO.
Desde o início dos seus estudos, João Maria Botelho já coleciona uma vasta lista de projetos e distinções: foi reconhecido pelo Presidente da Assembleia da República pelas suas contribuições ao Direito Constitucional e aos Direitos Fundamentais, no âmbito de uma investigação parlamentar intitulada “Checks and Balances – Freios e contrapesos num parlamento unicameral: o caso português de fiscalização e controlo parlamntar”, foi reconhecido pelo Financial Times pelo seu impacto social e conquistou uma bolsa para uma formação avançada em ESG pela Wharton Business School, fundou a Generation Resonance, uma plataforma internacional de jovens líderes protocolado com United Nations Association Portugal (UNA), que mais tarde deu origem ao podcast “Tomorrow Talks”. Em fevereiro de 2024, foi galardoado com o Prémio Nacional de Literacia Financeira e Empreendedorismo atribuído pela Fundação Santander pelo sucesso do Projeto “Decoding Sustainable Finance”, foi shortlisted na categoria Young Leader Award pela World Federation of United Nations Associations (WFUNA) e em 2025, apresentou uma palestra TEDx intitulada “Sustainability with Purpose” e moderou o debate principal “Where’s the Leader” no Leadership Summit Portugal, realizado no Casino Estoril. Foi ainda reconhecido pela Randstad como uma voz de autoridade no panorama ESG em Portugal e integrou vários júris de inovação social e empreendedorismo.
No meio de um dia-a-dia atribulado, o jovem jurista publicou ainda, em julho deste ano, o livro Estudos Sobre ESG (Environmental, Social & Governance) – Desafios Atuais e Futuros, editado pela Almedina, onde reuniu mais de vinte especialistas num volume com mais de 500 páginas, atualmente considerado uma referência nacional para empresas, reguladores e juristas.
“Impacto local para uma transformação global”: o ativismo que funciona segundo um jovem de 23 anos
Créditos: Divulgação
A vontade de transformar o discurso em ação reflete-se no livro Estudos sobre ESG: Desafios Atuais e Futuro. De onde surgiu a ideia de criar o primeiro manual português sobre sustentabilidade e ESG, e o que faltava no debate que o motivou a avançar com este projeto?
Quando comecei a estudar os temas da sustentabilidade, não havia um manual claro. Desde 2020, a sustentabilidade tem tido um desenvolvimento rápido, quase desenfreado, com um puzzle regulatório sempre em evolução. Estamos num momento de transição para uma economia de baixo carbono, com temas de justiça social e regeneração ambiental. Hoje, isto já não é uma ambição ou uma moda passageira, são requisitos de viabilidade — empresariais, institucionais e sociais. Por isso, acredito que este conhecimento e estes valores são necessários para atuar de forma consciente. Foi assim que decidi que precisava de fixar este conhecimento por escrito. Queria reunir as principais mentes para escrever sobre aquilo que elas mais fazem no dia a dia de forma consciente. Na minha cabeça, era como juntar os “Avengers da sustentabilidade” para escrever sobre o que fazem de melhor. O objetivo era criar um manual ou livro que eu próprio queria ter há cinco anos, mas que não existia. O resultado é um volume de quase 600 páginas, cobrindo diversos temas do ESG, desde energia nuclear, social e mercados financeiros. Por exemplo, contamos com a Paula Redondo Pereira, da Bolsa de Valores de Luxemburgo, a partilhar a prática de emissão de um Green Bond num país em desenvolvimento. Eu faço uma contextualização da história da sustentabilidade, mostrando que o ESG não é um conceito novo: faço uma viagem no tempo, desde o relatório Limits to Growth, passando pelo relatório de Brundtland, pelo relatório Who Cares Wins das Nações Unidas, o Acordo de Paris e a Agenda dos ODS.
Qual a mensagem principal do livro e os próximos passos?
Esta viagem temporal mostra que a sustentabilidade sempre integrou o nosso vocabulário e que já temos um roteiro definido: o que precisamos agora é transpor isto para métricas auditáveis e planos estratégicos que permitam desenvolver estes conceitos de forma simples e acessível à população. É por isso que tento sempre descomplicar os temas da sustentabilidade: estes jargões técnicos têm repercussões diretas na vida das pessoas. A sustentabilidade não é abstrata nem segregada; está em tudo — nos mercados financeiros, no dia a dia, no setor do luxo, na mobilidade, na forma como vivemos. O livro foi um projeto que já queria realizar há algum tempo e que teve bastante sucesso. Além dos autores, quis que o prefácio contextualizasse a obra, contando com contributos de pessoas como Filipa Pantaleão, do BCSD, e Mónica Ferro, do UNFPA, cujas visões considero essenciais. Numa altura em que a Comissão Europeia foca na competitividade e sustentabilidade, este livro demonstra que sustentabilidade também pode ser competitiva. Já estou a pensar na próxima obra, também na área da sustentabilidade, mas com uma vertente diferente. Enquanto ninguém me disser que não, as coisas vão acontecendo.
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Disse que um dos objetivos era descomplicar a sustentabilidade. O que o irrita ou preocupa na forma como o tema é tratado ainda hoje?
Se a nossa literacia em sustentabilidade não for generalizada, corremos o risco de ter ações superficiais, de greenwashing, ou seja, de dizermos ser mais sustentáveis do que realmente somos, decisões mal calibradas ou incapacidade institucional para responder aos desafios. Por isso, tanto a minha trajetória pessoal como este livro pretendem transmitir uma mensagem central: o conhecimento e a literacia são tão importantes quanto o quê e o quanto precisamos de fazer no futuro. Muitas vezes, os temas do dia a dia e a forma como as notícias tratam a sustentabilidade não mostram a sua verdadeira amplitude. Eu costumo dizer que a abordagem deve ser 360º, holística. É preciso estarmos conscientes da nossa jornada e do que é necessário fazer, seja numa grande empresa, numa PME, enquanto indivíduo ou organização. Não existe uma solução de sustentabilidade “tamanho único”; andamos a velocidades diferentes no mesmo mundo. Diferentes geografias e países também não evoluem ao mesmo ritmo: países em desenvolvimento não avançam com a mesma amplitude, e países desenvolvidos também não atingem o mesmo grau de maturidade. Pode parecer redundante, mas muitas vezes esquecemo-nos disto e tomamos decisões com uma visão limitada, que considero errada.
Como vê a implementação destas soluções na prática, dentro e fora de Portugal?
Quando participo em fóruns internacionais, como COPs, Parlamento ou instituições internacionais, percebo isso claramente. No ano passado, fui à IE falar com alguns alunos do mestrado em Sustentabilidade e Impacto, e percebi exatamente este ponto: sabemos o que funciona, mas muitas vezes ficamos frustrados por não ver isso a acontecer. Vemos as mesmas soluções com nomes diferentes, quando na verdade precisamos é de mais ação. Mas lá está, acredito que o caminho se faz caminhando. Aos meus olhos, Portugal está bem, não somos dos países europeus em pior situação. Temos a nossa jornada, e, a nível de transição energética, estamos a avançar e a fazer o nosso percurso.
A proposta de um roteiro para abandonar os combustíveis fósseis, defendida pelo Brasil e apoiada por mais de 80 países, acabou por ser retirada devido à pressão de grandes economias como China, Índia e países árabes. O que revela esta decisão sobre o poder real dos blocos fósseis nas negociações climáticas?
A retirada da proposta confirma o funcionamento estrutural do processo multilateral no âmbito da UNFCCC. As decisões dependem de consenso e isso atribui capacidade de bloqueio a países cuja matriz económica, fiscal e social permanece ligada aos combustíveis fósseis. O ponto central não é ideologia. É a assimetria de ritmos de desenvolvimento, a dependência industrial e o papel que a energia tem na segurança interna de economias como a China, a Índia e vários países exportadores de petróleo. Estes Estados leem qualquer calendário global como uma intervenção direta sobre a sua competitividade e sobre a estabilidade das suas sociedades.
Como o multilateralismo climático funciona perante a assimetria de interesses?
Este episódio em concreto evidencia um facto estrutural. O multilateralismo climático só avança quando existe um cruzamento mínimo entre grandes emissores e grandes produtores. Na ausência dessa convergência, o sistema desloca o debate para formatos paralelos. A prática é antiga e recorre a instrumentos voluntários, coligações restritas ou documentos técnicos desenvolvidos fora do mecanismo decisório formal. Não substituem a decisão vinculativa, mas permitem manter trabalho técnico vivo até surgir uma janela política mais favorável. A presidência brasileira adotou uma solução que “protegeu” o processo. Ao retirar a proposta e sugerir que o trabalho técnico avance noutros espaços, evitou o bloqueio total do pacote negocial da COP e preservou o equilíbrio entre ambição e viabilidade política. O resultado não altera o rumo internacional já assumido. A transição energética está em curso, apoiada por mercados, tecnologia e legislação doméstica em vários continentes. O episódio mostra, no entanto, que esta transição avançará de forma desfasada no tempo e condicionada pelas realidades económicas de cada bloco. É um lembrete de que a geopolítica da energia ainda molda os limites materiais do consenso climático e continuará a fazê-lo durante a próxima década.
A União Europeia apoiou o acordo, apesar de considerá-lo pouco ambicioso. Como interpreta a posição da União Europeia neste acordo climático?
A posição europeia na COP30 resulta de um cálculo político baseado em dois elementos centrais. O primeiro é a necessidade de preservar a credibilidade externa após a atualização da sua NDC e a definição das metas intermédias para 2035. A União apresentou uma narrativa de “continuidade”, sustentada na previsibilidade regulatória e na articulação entre competitividade e transição climática. Esta mensagem foi consistente ao longo da conferência, tanto por parte das instituições como dos Estados-Membros. O segundo elemento é estrutural. A UE negocia sempre com uma margem limitada devido às divergências internas sobre energia, dependência de fósseis e impacto económico de calendários mais rígidos. Esta heterogeneidade condiciona a assertividade que pode assumir e explica a prudência com que abordou o debate sobre o roteiro global para combustíveis fósseis. A dificuldade não é nova e permanece como um dos fatores que mais reduz a capacidade europeia de impor linguagem mais incisiva no processo.
E de que forma a geopolítica global influencia estas negociações?
A fragmentação crescente do multilateralismo acentuou estas limitações. A influência combinada da China, da Índia e dos grandes produtores de petróleo estabilizou o texto e reduziu espaço para soluções mais ambiciosas. Neste contexto, a UE optou por apoiar o acordo final por considerar que um veto implicaria um custo diplomático elevado sem ganhos substanciais. Esta escolha não representa perda súbita de influência. Revela, sim, a adaptação a uma geopolítica da energia em mudança, onde a capacidade europeia de liderar depende cada vez mais da formação de coligações fora do seu círculo tradicional e da compatibilização entre ambição climática e estabilidade económica interna.
O que este episódio diz sobre a liderança europeia no clima e o futuro da cooperação internacional?
Do ponto de vista diplomático, a decisão teve lógica própria. Garantiu avanços possíveis num ambiente adverso e evitou um impasse com impacto político negativo. A leitura do Parlamento Europeu resume este equilíbrio. O resultado oferece uma base mínima para a cooperação climática global, mas a distância entre o ritmo atual e a urgência científica permanece significativa. Do meu ponto de vista, este episódio confirma que a liderança europeia já não pode assentar apenas na ambição normativa e necessita de se reconstruir com base em alianças estratégicas mais amplas. Mostra também que a capacidade da UE para moldar o regime climático dependerá, cada vez mais, da coerência entre o que decide internamente e o que consegue mobilizar no plano internacional.
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A COP30 trouxe de volta a participação massiva da sociedade civil e dos povos indígenas. Como avalia este regresso e o impacto desta presença nas negociações?
A COP30 registou a maior participação indígena na história das conferências climáticas, com cerca de 2.500 a 3.000 representantes indígenas presentes em Belém, embora apenas 14% tenham obtido acreditação para a Zona Azul das negociações formais. Esta tensão entre presença massiva vs acesso limitado aos espaços de decisão cristaliza um paradoxo estrutural. Como afirmou Toya Manchineri, Coordenador da COIAB: “Idealmente, participaríamos como negociadores dentro da delegação oficial do país. Isso faria toda a diferença”.
Houve também protestos e incidentes de segurança durante a COP. O que estes acontecimentos revelam sobre a relação entre ativistas e diplomacia climática?
Os protestos foram significativos: cerca de 90 membros do povo Munduruku bloquearam pacificamente a entrada da COP. Exigia a cessação de projetos que ameaçam populações indígenas. Houve também uma invasão da Zona Azul que resultou em confrontos com pessoal de segurança, que até levou o Secretário Executivo da UNFCCC, Simon Stiell, a expressar formalmente preocupações sobre o bem-estar dos delegados. A avaliação desta tensão pode ser então vista de 2 prismas: Por um lado, representa um avanço democrático significativo, o “Círculo dos Povos”, liderado pela Ministra Sônia Guajajara, criou um espaço consultivo sem precedentes para vozes indígenas junto da presidência. O Presidente Lula reconheceu explicitamente a necessidade de “reconhecer o papel dos territórios indígenas e das comunidades tradicionais nos esforços de mitigação”. Em segundo lugar, subsistem limites evidentes no funcionamento da diplomacia climática. As negociações continuam a depender de linguagem técnica fechada, de ritmos decisórios opacos e de dinâmicas que favorecem atores estatais com capacidade institucional consolidada. A Amnistia Internacional sintetizou esta crítica ao sublinhar que a falta de processos participativos e transparentes afastou tanto a sociedade civil como os povos indígenas dos espaços onde se definem compromissos concretos.
O multilateralismo climático só avança quando existe um cruzamento mínimo entre grandes emissores e grandes produtores.
E que lições podemos tirar sobre a influência real dos povos indígenas nas negociações?
Que participação simbólica aumentou, mas a influência substantiva permanece-me ainda insuficiente. A demarcação de terras indígenas como política climática (a principal reivindicação da A Coligação dos Povos Indígenas do Brasil) não foi incluída no acordo final.
Muitos governos qualificaram o resultado da COP30 como “o acordo possível”. Em plena emergência climática, como interpreta o conceito de “acordo possível”?
O conceito de “acordo possível” deve ser lido à luz do funcionamento do processo multilateral. As conferências climáticas operam por consenso e qualquer decisão necessita de um nível mínimo de convergência entre países com perfis energéticos, económicos e estratégicos muito distintos. Quando esse equilíbrio é difícil de alcançar, o resultado reflete inevitavelmente o ponto onde as divergências se tornam menos impeditivas. Neste contexto, “o acordo possível” descreve um compromisso que preserva avanços técnicos relevantes, como decisões no domínio da adaptação, mecanismos de cooperação e elementos de financiamento, mas deixa de fora aspetos cuja negociação não reuniu consenso suficiente. Trata-se de uma prática comum no regime climático internacional e traduz a natureza incremental do processo. A expressão também cumpre uma função diplomática. Permite aos governos reconhecer que o resultado não corresponde integralmente às suas preferências, mas que representa um passo aceitável dentro das condições políticas existentes. Não implica desvalorização da urgência climática, mas sim uma leitura pragmática das limitações reais do sistema. Há, por fim, uma distinção fundamental. A ciência estabelece um conjunto claro de trajetórias e limites físicos. A política opera sobre constrangimentos económicos, sociais e geoestratégicos que variam de país para país. A distância entre o “necessário” e o “possível” não decorre de desconhecimento dos riscos, mas de assimetrias estruturais na capacidade de transição. O desafio central da próxima década será aproximar estas duas dimensões através de financiamento adequado, mecanismos de implementação credíveis e estruturas de cooperação que reduzam o custo político de aumentar a ambição coletiva.
“Impacto local para uma transformação global”: o ativismo que funciona segundo um jovem de 23 anos
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Considerando os temas que ficaram de fora da COP30, qual deveria ser a prioridade absoluta da COP31, na Turquia, para recuperar confiança e acelerar a ação climática?
A COP31, prevista para novembro de 2026 em Antalya, num arranjo inédito em que a Turquia assume a presidência formal e a Austrália lidera o processo de negociações, deverá recentrar o processo climático internacional em três prioridades operacionais. O objetivo será restaurar previsibilidade, reforçar a confiança entre Estados e criar condições para que a implementação avance com maior consistência.
Quais são os principais desafios relacionados com a transição energética que a COP31 deverá abordar?
Uma prioridade central será a integração formal do processo de Roteiro de Transição Energética. O desenvolvimento deste roteiro, lançado pela presidência brasileira em Belém e apoiado pela “Belém Declaration”, requer enquadramento institucional claro. A conferência internacional de Santa Marta, na Colômbia, em abril de 2026, coorganizada com os Países Baixos, foi mandatada para produzir propostas técnicas e de governação. A COP31 não se centrará em fixar novas metas, mas em transformar este esforço voluntário num processo reconhecido pelas Partes, com calendários, parâmetros técnicos e critérios de monitorização compatíveis com realidades energéticas nacionais muito diferentes.
O conhecimento e a literacia são tão importantes quanto o quê e o quanto precisamos de fazer no futuro.
Mas como poderá fortalecer o financiamento climático e o acompanhamento do progresso global?
A COP31 terá de executar o financiamento climático, clarificando metodologias de contabilização, critérios de elegibilidade e padrões de reporte, consolidando a interpretação do Artigo 9.º, n.º 1, do Acordo de Paris, para garantir previsibilidade nos contributos dos países desenvolvidos. Além disso, deverá preparar de forma estruturada o segundo Global Stocktake, garantindo que o pacote acordado em Belém sobre o Objetivo Global de Adaptação entra efetivamente em fase de implementação e reporte, em articulação com o trabalho técnico de 2026. O contributo científico do Sétimo Relatório de Avaliação do IPCC será central, e iniciativas como a Missão de Belém para 1,5 °C e o Acelerador de Implementação Global poderão fornecer coerência adicional, desde que integradas num quadro institucional claro.
Apesar do maior espaço dado aos jovens nas negociações, como avalia o papel real que movimentos juvenis podem ter no processo climático internacional?
O espaço concedido aos jovens no processo climático internacional tem aumentado, mas permanece concentrado na esfera da observação e da mobilização pública. A criação da função de Youth Climate Champion na COP30 e a introdução de fóruns intergeracionais representam avanços relevantes, mas não alteram a arquitectura decisória central, que continua a ser dominada pelos Estados e pelas instituições multilaterais. A COP30 evidenciou sinais positivos. A presidência reforçou o diálogo com plataformas juvenis, lançou programas de capacitação e abriu canais para contributos técnicos nos momentos preparatórios. Redes como a Commonwealth Youth Climate Change Network apresentaram recomendações formais, o que revela um movimento gradual de profissionalização da intervenção juvenil e uma maior integração no trabalho pré-negocial.
“Impacto local para uma transformação global”: o ativismo que funciona segundo um jovem de 23 anos
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O que está a limitar a influência direta dos jovens na implementação prática dos compromissos climáticos?
As limitações são sobretudo estruturais: a participação depende de recursos, acreditação e capacidade institucional. Muitos grupos juvenis funcionam com estruturas informais e têm dificuldade em acompanhar processos prolongados e tecnicamente exigentes, como os ciclos de revisão das NDC, os trabalhos de implementação do Acordo de Paris ou os mecanismos de financiamento climático. Estas barreiras explicam porque a influência direta continua limitada.
E, na prática, de que forma os jovens podem contribuir para que os compromissos climáticos se tornem mais concretos?
No meu entendimento existem três áreas com maior potencial de impacto: Transparência das políticas climáticas, em que os jovens podem acompanhar estratégias nacionais, participar em consultas públicas e elaborar contributos escritos para revisões das NDC, colaborando com centros de investigação para garantir continuidade entre conferências; Inovação, em que os jovens investigadores e empreendedores se destacam em eficiência energética, agricultura inteligente e tecnologias de baixo carbono. A Agenda de Empregos e Competências para a Nova Economia reconhece que a inovação muitas vezes ocorre fora das estruturas governamentais tradicionais e valoriza a sua integração nos instrumentos de implementação; Participação estruturada em políticas públicas. Debates em Belém abordaram propostas como incluir educação climática nas NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas), criar linhas de financiamento específicas para projetos juvenis e definir critérios mínimos para presença juvenil nas delegações nacionais. O desafio é transformar estas propostas em mecanismos estáveis, com regras claras e responsabilidades definidas, garantindo integração efetiva nos procedimentos formais da UNFCCC. O sistema encontra-se num ponto de transição: a participação simbolicamente reconhecida começa a dar lugar a um modelo que procura ganhar peso operacional. A COP31 será um teste importante para avaliar se esta evolução pode consolidar estruturas capazes de gerar contributos consistentes, tecnicamente fundamentados e com impacto real no processo multilateral.