Uma reformada de 75 anos conseguiu obter 50 mil euros sem abandonar a sua casa ao vender 34,82% do apartamento onde vive, num acordo de copropriedade formalizado em cartório e válido por um máximo de 10 anos. O caso, divulgado pela imprensa francesa, está a chamar a atenção para modelos emergentes que prometem liquidez imediata a proprietários mais velhos, mas que exigem contas bem feitas para não criar novos problemas no futuro.
A reformada de 75 anos, identificada como Sylvie, vive em Fontenay-aux-Roses, nos arredores de Paris, e descreve uma realidade comum a muitos pensionistas: um rendimento que permite “viver normalmente”, mas sem margem para imprevistos. Ao longo de anos, acumulou dívidas que chegaram a ultrapassar os 40 mil euros, num ciclo de pressão constante e negociações difíceis com os bancos.
Apesar de ter património, incluindo outras casas e parcelas de terreno, a situação financeira não estabilizou, e a venda de um imóvel anterior não foi suficiente para “limpar” o problema. Foi já em 2025 que encontrou uma solução alternativa para evitar um cenário de execução e ganhar fôlego imediato, mantendo-se na mesma morada, ao qual a mesma comentou: “permite-me sair das dívidas e voltar a respirar”.
Como funciona a venda de uma parte da casa
Segundo o jornal francês Le Figaro, Sylvie recorreu à Merci Prosper, uma entidade criada em 2023 que se apresenta como solução para proprietários com mais de 65 anos que pretendem transformar uma parte da habitação principal em dinheiro disponível, sem perder o direito de uso do imóvel.
O apartamento foi avaliado em 280 mil euros. A empresa propôs comprar 34,82% do imóvel e, em troca, entregar 50 mil euros. O acordo foi formalizado perante notário através de uma convenção de indivisão (copropriedade), e a reformada de 75 anos continuou a viver no local, mantendo a maioria da propriedade.
A operação, contudo, não é “gratuita”: além de custos notariais, é referido o pagamento de comissões na ordem dos 5 mil euros, o que reduz o valor líquido que chega efetivamente às mãos do proprietário.
Direitos, deveres e reparações: quem paga o quê
Neste modelo, a lógica é a de que o proprietário mantém o uso do imóvel e, segundo a descrição divulgada, pode inclusive arrendá-lo por períodos (por exemplo, sazonalmente) e ficar com as receitas, além de poder realizar obras sem necessidade de autorização prévia da entidade que detém a participação minoritária.
Em contrapartida, continua a assumir os encargos correntes, como despesas habituais do imóvel e impostos locais, enquanto as “grandes reparações” são repartidas nos termos do regime aplicável em França, associado ao artigo 606 do Código Civil.
Esse artigo enquadra o que se entende por grandes reparações e aponta, em regra, para a responsabilidade do proprietário (em termos simples, as obras estruturais), ficando o ocupante com as reparações de manutenção. Na prática, a distribuição concreta pode depender do contrato e do tipo de intervenção em causa, o que torna essencial ler cláusulas e cenários de forma cuidadosa antes de assinar.
O que acontece ao fim de 10 anos (ou antes)
De acordo com a mesma fonte, o contrato tem uma duração máxima de 10 anos. No final desse período, são apontadas três vias: vender o imóvel (à própria entidade ou a terceiros), recomprar a participação ao preço de mercado, ou pagar uma indemnização de ocupação, calculada apenas sobre a parte do imóvel que deixou de ser do proprietário.
Se o proprietário optar por vender a sua parte a um terceiro, a entidade é obrigada a vender também a sua participação para que a totalidade do imóvel mude de mãos, evitando um “impasse” de copropriedade que dificulte a transação.
Existe ainda a possibilidade de planear a sucessão, por exemplo deixando à herdeira a participação que se mantém na esfera do proprietário, uma decisão que, em França, pode ser usada para gerir a carga fiscal sucessória, embora este ponto dependa do enquadramento familiar e jurídico de cada caso.
O lado menos falado: riscos e contas a fazer
O principal alerta é que liquidez imediata não significa “dinheiro fácil”. Se o valor do imóvel subir, recomprar a participação mais tarde poderá ficar mais caro; se o mercado cair, uma venda no fim do contrato pode render menos do que o esperado. E as comissões e custos iniciais reduzem a vantagem no curto prazo, sobretudo em situações de aperto financeiro.
Também importa perceber bem a lógica da indemnização de ocupação: pode funcionar como uma espécie de “renda” associada à percentagem que já não pertence ao proprietário, o que pode pesar no resultado final, dependendo do tempo e das condições acordadas.
No caso divulgado, e segundo o Le Figaro, a reformada de 75 anos apresentou o acordo como um alívio imediato para sair da pressão das dívidas e reorganizar a vida. O exemplo, porém, mostra sobretudo uma tendência: com custos de vida elevados e pensões pressionadas, crescem soluções híbridas entre propriedade e liquidez, úteis em alguns cenários, mas que exigem aconselhamento e planeamento para que a solução de hoje não se transforme numa nova armadilha amanhã.
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