
O mundo está a enfrentar uma epidemia de cancros, que, por um lado, tende a crescer, mas que, por outro, pode ser mitigada. Milhões morrerão com cancros evitáveis nas próximas décadas, a menos que algo mude.
O surto de doenças infecciosas ou resistência antimicrobiana são muitas vezes rotulados como crises de saúde global. No entanto, uma crise mais silenciosa tem vindo a ganhar força há décadas.
O cancro está a aumentar em todas as regiões do mundo, e os aumentos mais acentuados ocorrem agora em países com menos recursos, como, por exemplo, no sul da Ásia e na África Subsariana.
Como parte da Colaboração Cancro 2023 do Fardo Global da Doença, uma parceria mundial de cientistas que produzem estimativas abrangentes de doença e mortalidade, foi feito grande estudo que acompanhou tendências de cancro de 1990 a 2023 e projeta o que o mundo poderá enfrentar até 2050. Vikram Niranjan, professor de saúde pública da Faculdade de Medicina da Universidade de Limerick (Irlanda) detalha-o, num artigo no The Conversation.
Durante muitos anos, o cancro foi amplamente visto como uma doença da abundância, concentrada em países de rendimento elevado. Os cientistas sabem agora que afeta todas as regiões e que uma proporção crescente do fardo recai sobre países de baixo e médio rendimento.
Muitos destes países estão agora a passar por rápidas mudanças de estilo de vida e ambientais, mas sem o desenvolvimento paralelo de capacidade de rastreio, diagnóstico ou tratamento. O novo estudo destaca quão rapidamente esta transição está a ocorrer.
Em 2023, a análise estimou 18,5 milhões de novos casos de cancro e 10,4 milhões de mortes em 204 países.
Quase uma em cada seis mortes globais foi causada por cancro. Mais de dois terços destas mortes ocorreram em países de baixo e médio rendimento, refletindo a dimensão do desafio em regiões onde o acesso a rastreio, patologia e tratamento permanece limitado.
É preciso mudar hábitos – e políticas!
No novo estudo, 41,7% das mortes por cancro em 2023 foram atribuíveis a riscos modificáveis. Tabaco, álcool, dietas não saudáveis, índice de massa corporal elevado, poluição do ar e exposições prejudiciais no local de trabalho ou ambientais contribuíram todos.
Milhões de cancros poderiam ser prevenidos todos os anos se os governos reforçassem políticas de saúde pública e tornassem escolhas mais saudáveis mais fáceis.
A prevenção não diz respeito apenas às acões das pessoas. É moldada por decisões políticas sobre o que as pessoas podem pagar, respirar, comer e encontrar nos seus ambientes. O tabaco é um bom exemplo disso.
Vamos a tempo de mudar
A investigação revelou que em 2050, o mundo poderá enfrentar 30,5 milhões de novos diagnósticos de cancro todos os anos e 18,6 milhões de mortes anuais, quase o dobro das atuais.
O crescimento populacional e o envelhecimento desempenham um papel, mas mudanças mais amplas no estilo de vida, urbanização, qualidade do ar e desenvolvimento económico também estão a aumentar a exposição a riscos de cancro. Sem intervenções importantes, estas tendências irão continuar.
Abordar esta crise requer mais do que iniciativas isoladas. Ao investir em diagnóstico precoce, os governos podem oferecer proativamente rastreios para cancros como mama, colo do útero e colorrectal — que salvam vidas, mas permanecem raros em grande parte do mundo. A prevenção deve ser tratada como uma prioridade global.
Controlo do tabaco, regulação da qualidade do ar, prevenção da obesidade e proteções no local de trabalho são bem fundamentadas e precisam urgentemente de ser reforçadas.
Os sistemas de saúde também exigem expansão significativa, desde laboratórios de patologia e pessoal de oncologia treinado até acesso fiável a tratamentos acessíveis.
Dados de alta qualidade são essenciais também. Os países não podem planear ou medir progresso sem registos robustos de cancro.
Epidemia entre os jovens
O cancro já não é uma condição que afeta principalmente adultos mais velhos. Em muitas regiões, pessoas mais jovens são cada vez mais diagnosticadas com cancros historicamente observados mais tarde na vida. Para elas, as consequências estendem-se muito além da saúde.
Educação, emprego, relações e estabilidade financeira podem ser todos interrompidos de um dia para o outro.
As projeções são avisos, não certezas. Decisores políticos, comunidades e pessoas ainda têm a oportunidade de influenciar o que o mundo enfrentará em 2050.
Os próximos 25 anos são críticos. Há conhecimento para mudar de rumo. O que é preciso agora é vontade coletiva (e política!) para agir.