Quando surgiu a notícia de que Luc Besson iria dirigir a enésima versão de Drácula, um mau pressentimento percorreu a espinha dos fãs da história do conde transilvano que semeia morte e desejo por onde passa.
O diretor francês foi expoente nos anos 1980 do chamado Cinéma du Look, movimento que uniu ele, Leos Carax e outros na disputa de quem fazia o filme mais esteticamente impactante —e, quase como praxe, vazio de sentido ou coesão narrativa.
Além disso, o prolífico Besson é notório pela repetição em queda qualitativa: fez um tríptico sobre jovens que viram assassinas em contextos diversos, com o bom “Nikita – Criada para Matar” (1990), sucedido pelo razoável “O Profissional” (1994) e descendo ao medonho em “Anna – O Perigo Tem Nome”, de 2019.
Os temores em torno do projeto vampiresco se confirmam em “Drácula – Uma História de Amor Eterno”, que chega aos cinemas nesta quinta (7). O filme é um bombástico bocejo, no qual o francês, recém-absolvido de uma acusação de estupro, alterna sua acurácia visual com momentos constrangedores, como a cena que abre o filme.
Ela é uma mistura de soft porn ao estilo Adrian Lyne com propaganda de margarina, e fracassa em estabelecer a credibilidade do tal amor eterno que o então príncipe Vlad da Valáquia, por aparente descaso mitológico aqui o 2º e não o 3º como na vida real, tinha por sua mulher, Elizabeta.
Pois é, você já ouviu isso antes em “Drácula de Bram Stoker”, o belo exercício comercial de Francis Ford Coppola, lançado em 1992. Ali, um prólogo inventava que a morte de Elizabeta fez Vlad, um violento guerreiro cristão, renegar Deus —sendo assim transformado em vampiro, que percorre os séculos atrás da reencarnação da amada.
Nada disso estava no livro de 1897, nem era original em si: em 1974, a ideia da paixão imortal já estava na versão para TV em que o canastrão Jack Palance vivia o conde. A sugestão de que o demônio é movido por sentimentos nobres deve revoltar Stoker em sua tumba.
Besson, por sua vez, não se limitou a emular Coppola no argumento. Fez um pastiche do filme do mestre americano, imitando tomadas e, com variações, inclusive o visual adotado pelo vampiro —tanto na velhice isolada nos Cárpatos quanto na versão dândi do fim do século 19.
O ator que o vive é Caleb Landry Jones. Egresso de um esforço recente da fase decadente de Besson, o “Dogman” de 2023, ele é todo caras e bocas, dado o fetiche do francês pelos seus lábios. Isso dito, sempre fungando e lacrimejando, seu vampiro parece alguém condenado à vida eterna em uma baita crise de rinite alérgica.
A sua Elizabeta, papel de Zöe Bleu, é tão estonteante quanto relegada ao segundo plano: ela só existe para justificar o vampirismo aguado em tela. Filha da atriz Patricia Arquette, ela tem potencial para mais.
Na mão inversa, muito é dado para ser desperdiçado pelo padre caçador de vampiros da ocasião, vivido por um Christoph Waltz interpretando a si mesmo também pela enésima vez, em uma nota mais baixa.
Há a previsível boa fotografia e figurinos, e algumas cenas inserem frescor na narrativa —ainda que retirada de “Entrevista com o Vampiro”, de 1994, aquela que traz Drácula submetendo-se a questionário é interessante. O bem coreografado transe de freiras em torno do monstro, por sua vez, remete à malsucedida série recente da BBC, de 2020.
Já outras passagens abraçam o ridículo, como a sugestão de que o controle mental que o vampiro tem sobre suas vítimas é obra de uma fragrância, descrita num plano que começa com o decalque de cenas de “O Perfume” (2006) e acaba num ensaio de musical para TikTok. Humor é tão deslocado que parece involuntário —e nem falemos da inexistente fronteira franco-romena.
Não facilita a vida de Besson ter lançado seu filme logo depois de uma obra-prima sobre o mesmo tema, o também remake “Nosferatu”, de Robert Eggers. Não que ele tivesse de ter a seriedade mortal do longa americano; bastava ser um longa bom que não confirmasse o ocaso da carreira do francês.