Em um mundo que recompensa a hiperprodutividade e penaliza a pausa, a fadiga deixou de ser uma exceção e se tornou uma constante silenciosa. Estudos globais e opiniões de especialistas alertam que dormir não é mais suficiente: a fadiga do século XXI é cognitiva, emocional e estrutural. Aprender a descansar torna-se um ato de resistência e um caminho para uma vida mais consciente.

“Não há maior perda de tempo do que dormir”, disse Thomas Edison, convencido de que as horas de descanso eram uma interrupção desnecessária da produtividade. Mais de um século depois, o mundo parece ter levado essa frase a sério demais. Perguntar “como vai?” tornou-se uma rotina diária, com a resposta repetida à exaustão: “cansado”.

Aquele cansaço que parecia ser exclusividade de novos pais ou estudantes durante a época de provas agora se tornou mais democrático. Um estudo recente sobre hábitos de bem-estar, realizado pela consultoria internacional Ipsos e pelo Global Institute for Wellbeing, revelou que mais de 62% das pessoas relatam sentir-se física ou mentalmente exaustas pelo menos três vezes por semana.

Outro estudo, conduzido pelo Observatório de Tendências Sociais e Empresariais da Universidade Siglo 21, identificou que 47% dos trabalhadores argentinos descreveram seu nível de energia como “baixo ou muito baixo” nos últimos meses. E, entre os adolescentes, os dados mais recentes do Unicef em conjunto com o Instituto Gino Germani indicam que quase 7 em cada 10 se sentem cansados mesmo depois de dormir mais de sete horas.

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A sensação de fadiga não distingue mais idades ou estilos de vida: tornou-se um pano de fundo compartilhado. É expressa por crianças de 8 anos, adolescentes superestimulados, jovens adultos que não conseguem se concentrar e avós que sentem que nunca se desligam. Essa exaustão generalizada é real ou é uma percepção alimentada pela vertigem da vida moderna?

Para Adriana Martínez, psicóloga da Fundação Aiglé, não há uma causa única: “Vivemos em uma sociedade que exige que estejamos disponíveis, atualizados, produtivos e emocionalmente estáveis o tempo todo. A linha entre trabalho e descanso se tornou tênue.” Essa linha nos acompanha desde o momento em que abrimos os olhos até fechá-los novamente, conectados a telas, alertas, conversas, reuniões e demandas. Dormimos menos, descansamos pior, vivemos em estado de alerta. E o corpo, inevitavelmente, se esgota.

Do ponto de vista médico, Conrado Estol, neurologista especializado em prevenção vascular, coloca claramente: “Nossos avós terminavam o dia com o corpo exausto. Nós, com a mente exausta.” A sobrecarga não é mais física, mas cognitiva. Trabalhamos sentados, imóveis, mas determinados a lembrar senhas, gerenciar conexões, comparar decisões e resolver problemas. E tudo isso acontece com a atenção fragmentada pela multitarefa. “Nós nos esgotamos sem alcançar a sensação de realização”, aponta Estol.

E como se não bastasse, também convivemos com uma cultura de exigência constante que impõe a perfeição como padrão e a auto-importância como virtude. Estudos confirmam isso. Da Universidade da Califórnia, o neurobiólogo Matthew Walker demonstrou que o sono inadequado desconecta o córtex pré-frontal do sistema límbico, prejudicando a capacidade de regular as emoções.

“O sono deve ser considerado um pilar da saúde, assim como a nutrição e o exercício”, insiste Walker. Dormir mal não causa apenas fadiga física. Também nos torna mais reativos, mais ansiosos, mais propensos ao mau-humor e a conflitos interpessoais.

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Mas não se trata apenas de dormir mais. Satchin Panda, pesquisador do Instituto Salk, explica que a qualidade do descanso também depende de sua sincronização com os ritmos circadianos: “A maioria das pessoas não dorme mais quando seu corpo precisa, mas quando pode. Essa desconexão é compensada pela fadiga crônica.” Sua pesquisa mostrou que mesmo aqueles que dormem oito horas podem se sentir exaustos se essas horas estiverem desalinhadas com seu relógio biológico. Essa desconexão é frequentemente motivada por rotinas de trabalho impostas e pela hiperconectividade que perturba a percepção do tempo.

Essa dessincronização também impacta as crianças. A psicóloga Lucía Argibay Molina descreve uma cena recorrente em seu consultório: “As crianças frequentam horários escolares estendidos, vão dormir tarde, dormem com a TV ou o celular ligados. Elas ficam apáticas, irritáveis, brigam com os colegas e dormem na aula.” A sobrecarga de atividades, a falta de rotinas claras e a insônia tecnológica fazem com que até mesmo as crianças sintam fadiga. Jonathan Haidt, em seu livro The Anxious Generation, alerta que os smartphones intensificaram as dificuldades noturnas para dormir: “O sono é vital para um bom desempenho na escola e na vida. Elas se tornam mais irritáveis e ansiosas, o que prejudica seus relacionamentos.”

A ciência começa a delinear novos parâmetros em relação ao descanso. Não basta mais simplesmente medir quantas horas dormimos. “A duração do sono não é mais o único indicador relevante. Hoje, priorizamos regularidade, continuidade e sincronização com os ritmos circadianos”, explica Walker. Till Roenneberg, cronobiólogo da Universidade de Munique, reforça essa ideia: “O sono socialmente imposto é uma forma de violência biológica cotidiana que não percebemos porque é normalizada.” Esse jetlag social, como Roenneberg o chama, gera desconforto mesmo entre aqueles que acreditam ter descansado o suficiente.

No entanto, muitos relatam sentir-se exaustos mesmo depois de dormir o suficiente. O que está acontecendo? O neurocientista Andrew Huberman, de Stanford, oferece uma pista: “A fadiga moderna nem sempre é física ou hormonal. É um estado cognitivo de sobrecarga constante devido à falta de pausas deliberadas.” Sua equipe descobriu que estados de repouso fora do sono (momentos sem estímulos visuais ou tarefas) melhoram a plasticidade cerebral. “O descanso cerebral requer espaços de baixa demanda sensorial”, enfatiza. Sem esses momentos de vazio mental, sem recesso, o cérebro entra em colapso, mesmo que o corpo esteja parado.

Sara Mednick, especialista em sono da Universidade da Califórnia, fala sobre “micropausas estratégicas” e afirma que cochilos curtos, mesmo de 10 minutos, produzem benefícios imediatos na atenção sustentada e no controle emocional. Para ela, “o burnout não é mais exclusivo do trabalho: ele surge da pressão constante de ter que funcionar e ter um bom desempenho o tempo todo”. Por isso, ela propõe incorporar pequenas pausas conscientes como parte da higiene mental. Não se trata de dormir mais, mas sim de descansar melhor.

Na mesma linha, Facundo Pereyra, gastroenterologista e autor do livro Agotados (“Exaustos”, em tradução livre), acrescenta outra camada: a biológica. “Hoje exigimos desempenho 24 horas por dia, 7 dias por semana, consumimos informação sem parar, comemos no piloto automático. E, para completar, nossa saúde intestinal está cada vez mais frágil. Como não estarmos exaustos?”

Para ele, a fadiga também é inflamação, desregulação, uma microbiota em crise. “Nos cansamos com a alma, com a mente, com o celular na mão.” Segundo sua abordagem, um intestino inflamado e dietas ultraprocessadas criam um ambiente interno tóxico que simula o mesmo cansaço de uma gripe permanente.

A psicóloga Rocío Ramos Paul resume assim: “Ficamos presos em uma rotina difícil de quebrar. Quanto mais atividades temos, mais cansados ficamos. Mas as demandas nos fazem aumentar nossas atividades em vez de desacelerá-las.” Ela sugere um exercício simples, mas revolucionário: parar, escolher e entender que não há problema em parar de fazer algumas coisas ou não fazê-las perfeitamente. Leia um livro sem pressa, deixe uma tarefa inacabada, diga não. Durma mais cedo. Desligue-se mais. E, acima de tudo, recupere a liberdade de não ter que estar sempre fazendo alguma coisa.

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Eve Van Cauter, especialista em medicina do sono da Universidade de Chicago, concentra-se nas consequências metabólicas da exaustão: “A privação prolongada do sono altera os níveis hormonais, diminui a imunidade e aumenta o risco de doenças metabólicas.” Para Eve, o sono não é um luxo nem uma concessão: “É um processo fisiológico essencial para a reparação do corpo e da mente. Sem ele, o sistema fica completamente desregulado.”

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Soma-se a isso uma dimensão mais silenciosa e crescente: a fadiga hiperconectada. A equipe do psicólogo Michael Bennett, da Universidade de Nova York, publicou uma pesquisa com jovens adultos que dormem o suficiente, mas relatam sentir-se exaustos. A conclusão foi contundente: “A hiperconectividade perpetua uma sensação de demanda constante que o sono noturno por si só não consegue reparar”. A fadiga, portanto, não decorre mais apenas da falta de sono, mas de um estilo de vida que não permite a desconexão.

Dados objetivos e opiniões clínicas coincidem. Mas há também um aspecto mais subjetivo: a fadiga como linguagem, como sintoma. “Quando alguém diz ‘estou cansado’, nem sempre está se referindo ao sono. Frequentemente, está se referindo à fadiga emocional crônica que não se resolve com mais sono”, diz Panda. Isso é confirmado por um estudo liderado por Aric A. Prathe, da Universidade da Califórnia: “A fadiga autorrelatada foi um preditor mais confiável de baixo desempenho cognitivo diário do que a duração do sono”. Em outras palavras, sentir-se cansado tem efeitos reais, mesmo que tenhamos dormido bem.

Essa percepção também impacta a maneira como passamos nossos dias. Segundo David Dinges, especialista em sono da Universidade da Pensilvânia, “a capacidade de adaptação emocional a situações adversas diminui a cada dia de restrição de sono”. Dormir mal afeta a memória, o julgamento e a tolerância ao estresse. Além disso, viver cansado nos torna mais irritáveis, mais ansiosos e menos empáticos.

Mesmo quando você dorme, não está descansando. Pesquisas do CDC dos EUA e da Universidade Harvard indicam que trabalhadores com horários rotativos dormem até 1,5 hora a menos por dia do que aqueles com rotinas fixas. “A incerteza de horários é um fator estrutural que impede o descanso regular e perpetua a privação de sono”, alerta o relatório. Soma-se a isso o peso invisível da hiperconectividade, que nunca deixa a mente baixar a guarda. Como explica Prather: “O estresse diário interfere no sono muito mais do que imaginamos. Não é apenas que dormimos menos, mas dormimos pior porque trazemos o dia para a cama.”

O que podemos fazer a respeito desse esgotamento estrutural? Para Martínez, o primeiro passo é redefinir a fadiga. “É uma linguagem. Pode ser um sinal de que estamos desconectados de nossos desejos, ritmos ou até mesmo de nossas conexões.” Ouvir esse sintoma, respeitá-lo e empoderá-lo talvez seja a nova forma de autocuidado. Uma forma de resistência em um mundo que nunca para.

Não é que sejamos mais frágeis. Talvez, como sugere Estol, sejamos mais exigentes consigo mesmos, mais hiperconectados e menos capazes de nos permitir uma pausa real. Porque a verdadeira fadiga do século XXI não é a do corpo, mas a da alma. E esta não adormece: é acolhida, compreendida e transformada.

Abra espaço para parar, para não responder, para não estar disponível, para simplesmente não fazer. Retorne aos rituais do silêncio, para descansar como um direito, não como um luxo. Descansar não é mais uma fraqueza. É uma declaração de princípios: dizer não a uma cultura que glorifica a atividade constante, o desempenho ininterrupto, a conectividade perpétua.

  1. “Tente manter uma rotina de sono consistente, mesmo nos fins de semana. A regularidade é tão importante quanto o número de horas que você dorme”, sugere Matthew Walker.
  2. “Ajuste sua rotina de sono ao seu cronótipo. Dormir contra o seu ritmo biológico é mais desgastante do que dormir pouco”, diz Satchin Panda.
  3. “Encontre momentos de descanso sem estímulos visuais, mesmo que não durma. Descansar sem telas também é restaurador”, acrescenta Andrew Huberman.
  4. “Incorpore cochilos curtos de 10 a 20 minutos. Eles funcionam como uma redefinição mental sem exigir sono profundo”, acrescenta Sara Mednick.
  5. “Evite multitarefa: fazer muitas tarefas ao mesmo tempo diminui a eficácia e drena sua capacidade de atenção”, alerta Conrado Estol.
  6. “Ouça o que seu corpo e sua mente precisam. A fadiga é um sinal, não um fracasso”, acrescenta Adriana Martínez.
  7. “Não preencha todos os espaços vazios do dia. O tédio também tem valor regenerativo”, diz Rocío Ramos Paul.
  8. “Cuide da sua alimentação. Um intestino inflamado pode causar fadiga persistente que não se resolve com sono”, acrescenta Facundo Pereyra.
  9. “Limite o tempo de tela pelo menos uma hora antes de dormir. A luz azul retarda a produção de melatonina”, aconselha Eve Van Cauter, da Universidade de Chicago.
  10. “Lembre-se: descansar é um ato de saúde, não de preguiça. Pausar também é produtivo”, diz Aric Prather.