Alguém, em algum momento, me indicou o livro Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada, de Carolina Maria de Jesus. Não me lembro quem foi essa pessoa abençoada, mas espero que ela leia este texto e saiba: eu sou grata. Grata por ter conhecido a escrita de uma mulher preta, favelada, mãe solo, catadora de papel e escritora: tudo isso em uma só existência.

Devorei o livro em menos de duas semanas, mas a verdade é que esse livro devora a gente também. Digo sem medo de errar que esse livro deveria ser leitura obrigatória em todas as escolas/universidades do Brasil. Um livro que foi escrito na década de 1950, mas que ainda é tão atual, doloroso, sabe? Não é só a gente que devora o livro. A verdade é que esse livro devora a gente também.

Carolina escreveu em cadernos usados, com lápis e restos de papel, o que vivia nas ruas da favela do Canindé, em São Paulo, na década de 1950. Ela escrevia com fome: de comida, justiça e de escuta. Ela escrevia porque era o que conseguia fazer.

Lendo as palavras de Carolina, é impossível não ser atravessada por tantas camadas de dor e denúncia. A fome, a ausência de justiça, a vida na favela, as violências, o racismo, a maternidade solitária. Tudo isso está ali nas páginas daquele diário que era a sua fuga, a sua forma de manter-se viva.

Carolina nos apresenta um Brasil que, em muitos aspectos, avançou (quando olhamos para a época dela). Mas que ainda emperra, tropeça e falha exatamente nas mesmas feridas quando olhamos para a realidade da população mais pobre, preta e periférica.

Porque Quarto de Despejo não é só um diário. Ele é um documento histórico, uma denúncia, sobrevivência, literatura, um grito de socorro. É, sem dúvida, um dos livros mais impactantes que já li e que faço questão de recomendar a todas as pessoas que ainda não tiveram o privilégio de começar essa leitura.

É por isso que todos nós precisamos desse livro. Porque Quarto de Despejo nos obriga a olhar para realidades que o Brasil insiste em esconder e que ainda existe! Nos tira do conforto e nos coloca diante da urgência. Ele nos faz lembrar que a fome tem nome, cor, endereço, gênero…

Por fim, para você que leu o Quarto de Despejo, te pergunto: quem é que ainda está trancada no quarto de despejo da nossa sociedade?