A cumprir pela última vez como Presidente a tradição de beber a ginjinha na véspera de Natal no Barreiro, Marcelo Rebelo de Sousa não deixou de fazer críticas ao Parlamento pela demora em eleger os membros do Conselho de Estado. Também falou nas próximas eleições presidenciais e recordou momentos de crise dos seus dez anos no cargo, como o caso das gémeas, assumindo que ainda não fez as pazes com o filho, Nuno Rebelo de Sousa.

Em declarações aos jornalistas, durante a tradicional visita ao Barreiro, Marcelo Rebelo de Sousa foi duro com o Parlamento por ainda não terem sido eleitos os cinco membros do Conselho de Estado, depois das legislativas. A próxima reunião deste órgão de aconselhamento do Presidente está marcada para 9 de janeiro, para analisar a situação internacional, e Marcelo coloca urgência na resolução do impasse: “A Ucrânia é um tema fundamental na nossa vida, o Conselho de Estado está sem poder funcionar à espera da eleição dos conselheiros de Estado pela Assembleia da República há seis meses. A Assembleia está em funções há seis meses e tenho esperado para serem eleitos os cinco membros do Conselho de Estado. Não me parece sensato, se estão a tomar decisões fundamentais sobre a Ucrânia, discuto-as em Conselho Superior de Defesa Nacional a que presido, e não são discutidas em Conselho de Estado?”, questiona o chefe de Estado.

Marcelo realça que é preciso discutir a “posição da Europa em termos de apoio financeiro, que compromete os Estados para o futuro”, mas também um “empenhamento militar português, ou não, numa hipótese de cessar-fogo no futuro”. “Não é muito natural que o Presidente da República saia de funções sem que o Conselho de Estado não possa adiar esta matéria”, disse ainda. “Esperei pela eleição que era para ser dia 9 de dezembro, não houve… pois, realiza-se a reunião de Conselho de Estado, a normalidade constitucional continua”, prossegue.

A reunião está marcada para o período de campanha presidencial e, tendo em conta que há dois candidatos que são conselheiros (Marques Mendes e André Ventura), coloca-se a questão das suas presenças. Marcelo empurra para quem está na situação: “Terão de decidir” sobre presença.

Certo é que a questão do Conselho de Estado nesta altura é prioritária para o Presidente que, na véspera de Natal, começou as declarações aos jornalistas precisamente pela situação no mundo e na Europa. “É fundamental a paz no mundo porque a paz no mundo e na Europa é paz para nós e quer dizer não termos no próximo ano e nos seguintes as consequências económicas de não haver paz, económicas, pessoais e sociais”, começou por dizer Marcelo à saída da Tasca da Galega, recordando ainda a saúde como “fundamental” e desejando o mesmo para si numa altura de “recuperação” da operação a uma hérnia encarcerada. “É muito importante que o próximo ano e os próximos anos sejam de saúde e melhor saúde no nosso país”, alertou, numa altura em que o encerramento de urgências está na ordem do dia.

Durante estas declarações aos jornalistas, Marcelo ainda recordou o Natal de 2023, altura em que o país vivia a recente queda do Governo de António Costa e em que “só se falava das gémeas”, comentou. Na véspera de Natal desse ano acabou por fazer declarações marcantes sobre o seu filho Nuno e o polémico caso. “Queria falar da ginjinha e dos problemas e foi uma conferência de imprensa sobre as gémeas”, recordou. E continuou: “Nesse dia saía a entrevista de um antigo membro do Governo, chegava o meu filho a Lisboa e rebentava tudo de repente, no meio da ginjinha, mas vim aqui, podia ter inventado dez mil razões para não vir, mas vim.” Questionado sobre se já fez as pazes com o seu filho, a quem se referiu, durante o processo “Dr. Nuno Rebelo de Sousa”, o Presidente da República, atirou: “No momento oportuno isso acontecerá.”

Ainda questionado sobre se 2023, no seguimento do caso das gémeas, foi o pior ano da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa considera que “os piores anos foram [os] da pandemia”. “O grande problema que tive nestes dez anos foi dois anos de pandemia”, disse, lembrando que declarou “duas vezes estado de emergência e renovar para aí dez vezes”. Fez ainda questão de dizer que, nessa altura, o Governo e os partidos foram “impecáveis”. “Era um problema de consciência porque as pessoas aguentaram muito bem no começo, mas depois começavam a ficar muito cansadas”, recordou, salientando que foi o “problema mais difícil para resolver politicamente” e o “mais doloroso em termos de decisão”.

Quanto a 2023 e às consquências políticas da Operação Influencer, no final desse ano, Marcelo diz que “foi um problema de uma tempestade perfeita. No dia 7 de novembro o primeiro-ministro pedia a demissão, abre-se um período muito longo até às eleições, há uma crise política, e ao mesmo tempo um ataque muito forte ou pelo menos um ambiente muito pesado sobre o Presidente da República”. Lembrou que o chefe de Estado estava com “poderes pesados” em mãos, como a dissolução, “mas não tão pesado como o estado de emergência”.

Ainda assim, admitiu que estava “numa situação difícil” por causa do caso das gémeas, e também devido à queda do Governo, “depois de uma dupla que funcionou durante oito anos — Presidente e primeiro-ministro, meu antigo aluno [António Costa]”.

Relativamente às dissoluções, Marcelo assegurou que numa delas “todos quiseram ir para eleições” e que a última “resultou de uma iniciativa do primeiro-ministro que quis ir a eleições” — aqui queixou-se que, na altura, “soube pelas televisões”.

“Apesar das três dissoluções, Portugal foi dos poucos países da Europa que só teve dois primeiros-ministros”, referiu para desdramatizar as crises do seu mandato, garantindo ainda que não foi o próprio que causou as crises: “Não fui eu que chumbei o Orçamento, nem fui eu quem decidiu que não governava em duodécimos.”

E mesmo na situação da Influencer, justificou: “Se o primeiro-ministro sai de primeiro-ministro, mas continua líder do PS fazia sentido que tivesse um papel importante na escolha do primeiro-ministro, um primeiro-ministro independente com uma escolha de liderança que na tradição portuguesa significa que o líder do partido é primeiro-ministro… era comprar uma dissolução daí a meses”. Além disso, referiu, relembrou não só o seu discurso da tomada de posse desse Governo e quando disse que aquele Executivo “tinha um rosto”, mas também do do “primeiro-ministro, que foi mais longe do que e disse que estava fora de causa não ficar até ao fim da legislatura.”

Marcelo também comentou as eleições presidenciais do dia 18 de janeiro. “Qualquer um dos candidatos que está presente tem condições para fazer uma presidência melhor do que a minha. Muito provavelmente serão melhor presidentes do que eu fui.” “Para mim é muito importante o Presidente gostar das pessoas, mas não é uma qualidade como Presidente, é como pessoa, era assim na televisão, como professor. E qualquer dos candidatos que estão aí gosta de pessoas e provou isso na sua vida. Qualquer deles dará um bom Presidente da República.”

O chefe de Estado entende ainda que os debates foram “muito esclarecedores” porque havia candidatos que as pessoas não conheciam. “Hoje pode dizer-se que conhecem aqueles candidatos muito bem.” Relativamente à mensagem de Ano Novo, garante que a fará e que será “obviamente especial”: “Faço uma mensagem muito curta, de uma neutralidade absoluta.”