O que hoje chamamos de subcultura, um estilo de vida dentro de uma cultura de maior escala, surge sem um nome específico e, geralmente, sem pretensões. No final dos anos 1940, início da Guerra Fria, um bando de jovens começava a ver o mundo de forma diferente das gerações anteriores.
Eles usavam brilhantina (na época chamada de grease [literalmente “graxa”] atualmente substituída pelas pomadas) para pentear seus cabelos, que ficavam com aspecto engraxado; se juntavam em grupos nas ruas para beber, escapar das realidades e imposições de suas casas. Para proteção tinham canivetes italianos, correntes, pedaços de madeira e seus próprios punhos. Pela primeira vez na História esses jovens tinham pessoas que admiravam no cinema e no emergente rock’n’roll.
(Foto: Bruce Davidson, Brooklyn Gang, 1959)
Esses jovens passaram a ser conhecidos como greasers de forma pejorativa pela imprensa (que não fazia a menor ideia do que eles eram ou representavam) e foram classificados pelo governo americano como “delinquentes juvenis”. Foram tratados muitas vezes como ingênuos e inocentes numa tentativa frustrada de muitos escritores e produtores fonográficos de “amansá-los” assim como fizeram com o rock… mas por que? De onde vinha esse medo que os adultos tinham dessa nova forma de encarar a vida? Para eles era uma ameaça ao status quo, aos “bons”(?) costumes e ao “nascer, crescer, trabalhar, casar e morrer”.
Alguém aqui se pergunta de onde vinha essa rebeldia juvenil? O mundo simplesmente estava lá, dividido entre o aparente fim do fascismo e a guerra ideológica do “comunismo vs capitalismo”, quando o big bang aconteceu e apareceram um milhão de garotas e garotos usando jaquetas de couro e calças jeans? Bem, essas questões um dia tomaram minha mente e procurei nos livros a resposta. Hoje compartilho com você cinco dos livros que me ajudaram a entender, compreender e admirar o que hoje chamamos de subcultura greaser.
5 livros para conhecer a subcultura Greaser
1 – Brooklyn Gang, Bruce Davidson
Em 1959, o fotógrafo e jornalista da Magnum Photos, Bruce Davidson, já atento aquela nova onda de jovens que não aceitavam as imposições da sociedade, aproximou-se de uma das maiores gangues de rua que já existiram em Nova York: The Jokers. Durante meses, com seus já 30 anos, Davidson conviveu diariamente com aqueles rapazes de jeans e aquelas meninas que não usavam fitinhas em seus cabelos.
Com habilidade, respeito e inteligência, Bruce conquistou a confiança deles e retratou em suas fotos e relatos o dia a dia dos “delinquentes juvenis”. O resultado disso foram os mais viscerais e honestos que já vi em minha vida e se tornaram um dos livros mais raros de todos os tempos (e, consequentemente, mais caros nos dias de hoje). Brooklyn Gang, pois era de onde os Jokers vinham, não é apenas uma leitura interessante, mas um mergulho em uma época em que ser rebelde era perigoso.
(Integrantes dos Jokers em Long Island | Foto: Reprodução)
2 – The Wanderers, Richard Price
Para mim o caminho dos livros é geralmente o inverso. Primeiro assisti Clube da Luta para ler a obra, antes assisti O Grande Gatsby (a versão com Carey Mulligan e Di Caprio) para depois ler o livro. Com The Wanderers foi a mesma coisa. O filme de 1979 sobre uma gangue de rua de nome fictício mas de histórias reais me levou ao livro escrito por Richard Price, um dos maiores romancistas americanos.
(Filme The Wanderers lançado em 1979 | Foto: Reprodução)
Price, que convivia com greasers e gangues de rua em sua vizinhança, captou diversas histórias extremamente pessoais e cruas, condensando-as numa gangue do Brooklyn chamada The Wanderers (Os Vagabundos). Apesar do nome não ter existido, personagens reais como os Lester Avenue Boys e os Fordham Baldies (gangues de mafiosos e skinheads, respectivamente) aparecem entre as páginas com detalhes que jamais poderiam ser imaginados senão por quem estivesse lá. É um relato sobre a sociedade, racismo e sexualidade na Nova York do início dos anos 1960.
3 – The Outsiders, Susan E. Hinton
Outro romance baseado em histórias reais e que tem um dos melhores títulos de todos: The Outsiders (Os Marginais). Susan E. Hinton, na época, uma garota no início de sua carreira como escritora, traz a história não de uma gangue de rua propriamente dita, mas de um grupo de amigos greasers no Meio-Oeste americano.
No grupo há o bandido, Dallas Winston, o irmão mais velho que cuida do mais novo e ambos ficaram órfãos dos pais, Darrel e Ponyboy, do menino que é frentista e faz sucesso com as garotas (ricas ou não), Steve, e das batalhas literais que travam com os playboys riquinhos da cidade, chamados socs (oriundo de “socials”, ou, em português, “sociais”).
Susan traduziu em sua linguagem direta e cheia de gírias a vida de vários amigos seus com os quais cresceu e sentiu-se familiarizada. Em 1983, The Outsiders foi lindamente adaptado para o cinema por Francis Ford Coppola e muito bem interpretado por gênios como Patrick Swayze, Matt Dillon e Diane Lane.
4 – Rumble Fish, Susan E. Hinton
A genialidade de Susan Hinton não se deteve em retratar os greasers em sua época mais conhecida, os anos 1950, mas se estendeu aos anos 1980 onde nem todos os garotos usavam mais brilhantina em seus cabelos, mas os medos, preocupações e angústias permaneciam os mesmos.
Até hoje, não se sabe se foi uma história real ou um relato criado pela autora (ela nunca deixou claro), mas Rumble Fish é um dos livros favoritos em presídios e reformatórios americanos. A história de dois irmãos, o Motoqueiro (sem nome), mais velho, e Rusty-James, o mais novo, é o centro de uma narrativa que questiona seriamente a razão de tantas gangues brigarem entre si quando o inimigo (o governo representado por um policial opressor) os esmaga pouco a pouco.
(Rumble Fish | Foto: Reprodução)
Rumble Fish também foi muito bem adaptado ao cinema por Francis Ford Coppola logo depois de Outsiders, e traz parte do elenco do primeiro filme como Matt Dillon e Diane Lane. Outra teoria não confirmada e que salta aos olhos é que Rumble Fish seria a continuação da história de Outsiders, ambos ambientados em Tulsa, Oklahoma.
5 – The Bikeriders, Danny Lyon
A imagem “rebelde” dos anos 1950 retratada pela indústria fonográfica atual, cabelos engraxados, jaquetas de couro e motocicletas, tudo em um “pacote” pronto pro consumo, tem uma certa razão de ser e até faz sentido quando você lê The Bikeriders, do autor Danny Lyon.
Ex-integrante da gangue de greasers e motoqueiros (sim, eles eram os dois grupos em um só) Chicago Outlaws, Lyon estudou fotografia na faculdade e decidiu retratar o seu bando de desajustados para mais tarde escrever um livro sobre. Um trabalho muito parecido com o de Bruce Davidson, com a diferença que Danny já fazia parte da gangue, foi registrado em fotos e depoimentos gravados com aqueles gravadores imensos. Danny não editou seu material, deixando-o extremamente honesto e fiel ao que aquela gangue de motoqueiros vivia diariamente.
(O verdadeiro Benny, interpretado no filme por Austin Butler, em foto de 1965)
A história é empolgante e triste ao mesmo tempo. Foi adaptada para o cinema em 2023 no longa The Bikeriders e tem Austin Butler, Tom Hardy e Jodie Comier nos papéis principais. O livro é fascinante e o filme é uma mistura (nua e crua) de The Wild One e Rebel Without a Cause onde, por mais que você se revolte com alguns personagens (todos realmente existiram) você consegue entender de onde vem aquela revolta e aquela violência. Ah, não poderia deixar de citar: o diretor de Bikeriders, Jeff Nichols, de forma maestral, captou várias cenas inspiradas diretamente das fotografias de Danny Lyon.