[RESUMO] Em entrevista à Folha, David Zucker, um dos mais influentes nomes da comédia americana nos últimos 40 anos, afirma que Hollywood perdeu a mão para o humor satírico e paródico que marcou seu clássico “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”, critica a nova versão de outro sucesso seu, “Corra que a Polícia Vem Aí!”, comenta seu curso de comédia e diz que sua carreira foi prejudicada pela idade e pelo apoio a Trump.

Ao lado do irmão Jerry e do amigo Jim Abrahams (1944-2024), David Zucker, 77, criou algumas das paródias mais conhecidas da história do cinema, como “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu” (1980), “Top Secret!” (1984) e a trilogia “Corra que a Polícia Vem Aí!” (1988, 1991 e 1994).

De posse do currículo de diretor, roteirista e produtor de vários sucessos, Zucker decidiu passar adiante seus conhecimentos e se candidatou para criar uma série de aulas para a plataforma de cursos online MasterClass.

Figuraria em um corpo docente com Martin Scorsese, James Cameron, Jodie Foster e tantos outros. “Mas fui rejeitado, evidentemente não sou tão bom assim”, conta David Zucker em entrevista à Folha, sem perder o bom humor que empresta aos seus longas.

Acostumado com o sistema de Hollywood desde o fim dos anos 1970, ele não desistiu do projeto. Seguindo a verve de seus melhores filmes, parodiou a MasterClass em um produto próprio chamado MasterCrash, um curso virtual com o objetivo de ensinar as 15 regras que tornaram o trio Zucker-Abrahams-Zucker (ZAZ) famoso por duas décadas.

“Apesar de não ser complicada, a comédia exige disciplina. Por mais malucos, absurdos e bobos que sejam nossos filmes, há muita seriedade por trás da construção das piadas e da direção”, explica Zucker, que lançou em julho o primeiro de 15 episódios do curso.

O cineasta espera voltar aos holofotes com a mesma intensidade do passado porque acha que Hollywood está “perdida” quando o assunto é humor. “Eles não sabem mais como fazer comédia. Se querem filmar uma paródia, deveriam se inscrever no meu curso.”

O tom pode ser de brincadeira, mas há um fundo de seriedade na sua resposta. Tanto que ele não perdoa nem mesmo o trailer da nova versão do clássico “Corra Que A Polícia Vem Aí!”, que estreia em 14 de agosto nos cinemas brasileiros, com Liam Neeson no papel principal, antes desempenhado por Leslie Nielsen. “Assisti ao trailer e me arrependo de ter feito isso”, dispara Zucker. “Até a piada com O.J. Simpson, que todos acham engraçada, é uma cópia de outra feita em ‘Corra que a Polícia Vem Aí 2½’.”

A mágoa de David Zucker com a adaptação dirigida por Akiva Schaffer (“Vizinhos Imediatos de 3º Grau”) e produzida por Seth MacFarlane, criador de “Ted” e “Uma Família da Pesada”, começou há mais de três anos.

Ele e seus parceiros de longa data, Pat Proft e Michael McManus, escreveram vários tratamentos de roteiro do novo “Corra que a Polícia Vem Aí” para apresentar aos executivos da Paramount. “Estávamos felizes com o resultado e pensávamos que bastava ir na Paramount para recomeçar a franquia”, lembra Zucker.

“Em um belo dia, acordo e leio a notícia de que Seth MacFarlane tinha entrado no projeto e assumido o controle da série. Ele é um sujeito bem-sucedido, praticamente imprime dinheiro de tanto sucesso que faz, mas não quer dizer que consiga fazer esse filme.”

Zucker acredita que o novo filme da série quebra pelo menos cinco das suas regras que ensina no curso, como “manter um orçamento baixo”, “respeitar a lógica” e “trabalhar com atores do segundo escalão hollywoodiano”.

“Você não precisa de muito dinheiro para filmar uma paródia e acho que estão gastando mais de US$ 50 milhões nesta produção” [calcula-se que tenha custado US$ 42 milhões, sem contar o marketing], especula o cineasta. “MacFarlane chamou o ator queridinho dele, Liam Neeson, que já fez uns esquetes de comédia e foi bem no ‘Saturday Night Live’, mas não significa que será engraçado nesse estilo de humor.”

No lugar de Neeson, um ator consagrado indicado ao Oscar por “A Lista de Schindler”, com diversos sucessos na bagagem, Zucker preferiria escalar “alguém mais jovem como Andy Samberg”, protagonista da série “Brooklyn Nine-Nine”.

“Neeson é um excelente ator, tenho certeza de que é gente boa, mas não pensava em ninguém com mais de 35 anos. Queria um ator de segunda linha”, justifica o cineasta. Neeson tem 73 anos, mas Leslie Nielsen já tinha 62 quando protagonizou o primeiro filme da série.

Além da parceria com Nielsen, Zucker trabalhou com Robert Stack, Peter Graves, Lloyd Bridges e outros candidatos a astros que jamais formaram o primeiro time de Hollywood. “Eram ótimos, porém nunca alcançaram o mesmo nível de Warren Beatty ou Dustin Hoffman.”

Segundo Zucker, que diz ser um “completo ignorante” em relação a novos comediantes, sua ideia para o novo “Corra que…” acompanharia o filho de Frank Drebin, o policial sem noção do filme original, em missões de espionagem pelo mundo.

“Não se fazem mais filmes policiais hoje em dia, apenas thrillers internacionais como ‘Missão: Impossível’ e James Bond. Era uma ótima história de pai e filho. A ideia era reiniciar a série, não apenas requentar comida velha”, diz ele, surpreso por “entregarem a franquia para outra pessoa”.

Ao contrário do que acontece com diversas obras no cinema atual, os direitos dos filmes do trio ZAZ não ficaram sob o poder dos seus criadores. David e Jerry Zucker e Jim Abrahams formaram sua trupe em meados dos anos 1970, na Universidade do Wisconsin, em Madison, e tiveram sua peça humorística “Kentucky Fried Theater” adaptada para o cinema em 1977, com John Landis dirigindo a produção independente.

Três anos depois, ganharam fama mundial com o sucesso de “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”, paródia dos filmes de desastres aéreos que custou pouco mais de US$ 3 milhões e rendeu US$ 170 milhões.

Conseguiram iniciar a primeira franquia em “Corra que a Polícia Vem Aí!”, filme de 1988 que adaptou para as telas “Esquadrão de Polícia” (1982), série fracassada na TV, mas hoje cultuada. Seguiram-se mais dois longas, “Corra que A Polícia Vem Aí 2½” (1991) e “Corra que a Polícia Vem Aí! 33 1/3: O Insulto Final” (1994).

“Não temos os diretos sobre nenhum dos nossos filmes de sucesso, nem mesmo ‘Apertem os Cintos’. Em 1988, quando o estúdio financiava um filme de US$ 15 milhões, não cedia nenhum direito para o autor”, explica Zucker. “A Paramount é dona da propriedade intelectual [de ‘Corra que a Polícia Vem Aí’]. Se não quiserem, eles não precisam me envolver. Mas existe uma certa habilidade para fazer isso funcionar.”

Surpreendido e magoado, o cineasta ainda tentou levar sua visão ao projeto. “Queria apenas uma reunião com Seth MacFarlane para saber se poderia fazer algo para melhorar o projeto, mas ele não quis me encontrar. Disse que precisariam escrever o roteiro primeiro, mas seria tarde demais assim”, conta Zucker.

“Não quero falar publicamente o que achei do roteiro, mas não é meu estilo e não usaram as nossas regras. Até falei para ele que havia duas ou três piadas boas, mas, no geral, não. Deveriam ter me envolvido no projeto desde o início.”

Para amenizar as críticas do cocriador da trilogia, a Paramount o convidou para ser produtor executivo, porém sem voz criativa no projeto. “O estúdio cogitou me oferecer dinheiro por isso, mas não havia nada para fazer”, confessa o diretor, que recebeu outro convite em seguida, desta vez para ver um corte do filme e dar sugestões.

Ele recusou. “Não dá para colocar um band-aid em um câncer. Além disso, não queria vê-lo”, diz o cineasta. “Quando a continuação de ‘Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu!’ foi lançada [1982], também não vimos. Quando perguntaram a razão, Jim Abrahams disse: ‘Se sua filha virasse prostituta, você iria vê-la trabalhando?’ Foi hilário”.

A atitude é raridade no cinema americano. Em geral, os grandes executivos pagam fortunas para evitar polêmicas ou críticas ao modo como tratam criadores de materiais originais. “Nós amamos os filmes da série. Foi um trabalho feito com paixão”, explica ele, que brinca com o fato de algumas das suas comédias, como “Top Secret!” (1984) e “Sem Trapaça Não Tem Graça” (1998), não terem sido bem-sucedidas na época dos lançamentos.

“Tenho orgulho delas. Certa vez, meu pai me disse: ‘Nunca aprendi uma lição que não me custasse dinheiro’. Fiz alguns filmes que não foram bem, mas ganharam sobrevida. Sempre digo que não tenho fracassos, só clássicos cult.”

Hollywood pode perdoar fracassos comerciais, mas não costuma tolerar apoio ao lado mais radical do Partido Republicano e a políticas ultraconservadoras. David Zucker costumava votar nos democratas, mas virou a casaca em 2004. Na última eleição presidencial, apoiou fervorosamente Donald Trump e gravou vídeos pedindo votos ao republicano. “Não votaria em Kamala [Harris]. Não foi uma decisão difícil para mim”, confirma.

O diretor, contudo, não acredita que a política tenha sido a razão principal de seu afastamento do projeto. “Acho que tem mais a ver com etarismo. Hollywood acha que o talento evapora quando alguém passa dos 40 anos. Mas certamente não ganhei nenhum amigo em Hollywood por apoiar Trump”, admite. “Sempre nadei contra a correnteza. Minha família inteira é democrata. Uma prova de como eles me amam é que ainda falam comigo. Mas não posso mudar como penso.”

Zucker tirou sarro dos dois lados da política americana nos filmes “Corra que Tem Loucos por Aí!”, que dirigiu, escreveu e produziu, e “Loucos pela Notícia”, que apenas produziu, em 2008. Foi um duplo fracasso. “Democratas não possuem senso de humor, e os republicanos não vão ao cinema. Então, eu estava fodido.”

O comediante já declarou uma vez que o humor deve sempre desafiar o poder vigente. Hoje, contudo, diz que não pretende satirizar o governo Trump, “porque está fazendo tudo que gosto”. “Não quero homens nos esportes femininos, fronteiras abertas ou um governo desperdiçando bilhões de dólares”, disse à Folha antes dos protestos contra a política anti-imigração nos EUA.

Zucker, que tenta financiar sua própria nova versão de “Corra que a Polícia Vem Aí”, agora rebatizada de “Contrainteligência”, e uma comédia noir, só recua quando o assunto é uma possível taxação dos filmes estrangeiros sugerida por Trump. “Não sei nenhum detalhe sobre essas coisas. Está acima do meu nível de acesso, mas, se for para ajudar a indústria do cinema, acho que os estúdios e os sindicatos vão apoiá-lo”, acredita. “Neste momento, Hollywood está meio parada.”