27 de julho de 1983, pouco depois das 10h30. Abílio Pereira, jovem agente da PSP em início de carreira, passava pela Avenida das Descobertas, no Restelo. Foi lá que encontrou um grupo de terroristas arménios, que o atingiram com cinco tiros à queima-roupa. Era o início do atentado à Embaixada da Turquia, um dos ataques terroristas internacionais narrados no novo Podcast Plus do Observador, “1983: Portugal à Queima-Roupa”. 

De manhã, quando saiu para a patrulha, não era aquele o dia que tinha idealizado. Essa quarta-feira era apenas o seu terceiro dia de patrulha individual. Naquela altura, um jovem saído da academia de polícia tinha de passar por um mês de patrulha acompanhado por um colega com mais experiência. Aos 23 anos, Abílio já tinha cumprido esse período. Dois dias antes do ataque, na segunda-feira, estreara-se no serviço a solo à porta da esquadra de Belém. Na terça-feira, a patrulha tinha sido na Avenida da Torre de Belém. Quarta era suposto percorrer a zona da Avenida das Descobertas.

Acabou a escola da polícia com boas notas, e por isso podia ter escolhido entrar na esquadra que quisesse. Em vez de optar por uma vida mais tranquila – no mínimo ao início, para se ambientar na vida como agente – juntou-se à 4ª Divisão da Polícia de Segurança Pública. Entre as zonas da capital que iria ter de cobrir, como o Calvário, Campo de Ourique ou Belém, teria de trabalhar ativamente em alguns dos bairros que, em 1983, eram considerados os mais problemáticos de Lisboa: Casal Ventoso, Bairro 2 de Maio e Casalinho da Ajuda.

“Era o que viesse, na altura”, explica Abílio Pereira. O então jovem agente tinha família nas forças de segurança – um primo na GNR e o outro na Polícia Judiciária. Sabia no que se estava a meter. Era uma vida de aventura que procurava e foi para uma vida de aventura que se inscreveu. Na Avenida das Descobertas não é costume haver rusgas nem perseguições – naquela zona há pouco mais do que embaixadas. Não significava que na manhã daquela quarta-feira não estivesse nervoso. “No terceiro dia, a pessoa vai com medo. A farda é um incómodo. É pesada. Quando a pessoa começa a trabalhar sozinha, a farda é pesada. A pessoa começa a olhar para todos os lados. Não sabe como há de estar.”

Acordou nas camaratas da PSP na Ajuda. Para que tudo corresse bem, tinha certos rituais. “Quando saíamos da camarata, depois de nos fardarmos, passávamos pelo espelho, a ver como estávamos. Nós, quando nos fardávamos, olhávamos pelo espelho e depois íamos para a rua.” Tomou o pequeno-almoço já na esquadra de Belém, uma sandes de fiambre e um copo de leite.

[Um jovem polícia é surpreendido ao terceiro dia de trabalho: a embaixada da Turquia está sob ataque terrorista. E a primeira vítima é ele. “1983: Portugal à Queima-Roupa” é a história do ano em que dois grupos terroristas internacionais atacaram em Portugal. Um comando paramilitar tomou de assalto uma embaixada em Lisboa e esta execução sumária no Algarve abalou o Médio Oriente. É narrada pela atriz Victoria Guerra, com banda sonora original dos Linda Martini. Ouça o terceiro episódio no site do Observador, na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E ouça o primeiro episódio aqui e o segundo aqui]

Rendeu os colegas de turno pouco depois das sete da manhã, onde lhe passaram um rádio e um roteiro, onde consultava a ronda que teria de assegurar ao longo de seis horas. Mas Abílio vinha do norte do país, não conhecia Lisboa. Precisava de mais do que um roteiro para cumprir o seu trabalho com o brio que idealizava. Para isso, tinha uma estratégia pouco convencional: um papel e uma caneta. “Tinha um croquis, uma folha guardada, e ia pondo num bloco as embaixadas que existiam naquela Avenida. Com certos turnos para onde eu iria, fazia um croquis”, resume. Assim, sempre que lhe fizessem alguma pergunta na rua – onde era uma determinada embaixada, por exemplo – saberia responder à dúvida. Era a garantia de que conseguiria fazer a diferença junto da população, mesmo nos pormenores mais pequenos.

Vieram em dois Ford Escort: um vermelho e um branco. Quando o primeiro carro chegou ao destino, a Embaixada da Turquia, encontraram Abílio Pereira. Ele tinha reparado neles uns metros antes, mas não notou nada de estranho. Foi um carteiro que por ali estava que lhe deu o alerta, mas era tarde demais. “O carteiro apercebeu-se de algo estranho, porque um dos homens tinha uma arma atrás das costas. Disse-lhe: “Fuja”. Quando rodou para olhar para o carteiro, o homem tirou a arma detrás das costas e disparou uma rajada. “Acerta-me com um tiro no braço”.