O ser humano nunca viveu tanto. No Brasil, a expectativa de vida ao nascer chegou a 76,4 anos em 2023, de acordo com o IBGE. Nos anos 1970, ela não passava de seis décadas. Mas viver mais, e melhor, não é uma sorte do acaso. Na verdade, é resultado de uma equação matemática em que a trajetória ao longo da vida pesa, e muito.
— Cerca de 20% dos fatores que determinam a forma como envelhecemos são genéticos, e cerca de outros 20% ligados ao ambiente. Mas o que é mais importante para uma longevidade com saúde, que influencia em mais de 50%, é o estilo de vida — explica João Senger, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul, e diretor do Centro de Estudos em Envelhecimento Instituto Moriguchi.
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Nem todo mundo adota bons hábitos cedo. Para alguns, a preocupação com alimentação saudável e exercícios físicos passa longe. Outros, mesmo quando querem, não conseguem tempo para se cuidar. Com isso, muitos chegam aos 50 sem nunca ter seguido um bom estilo de vida e pensam se ainda dá tempo.
A medicina responde que ainda vale. Incorporar bons hábitos pode, independentemente da idade, prolongar a vida e melhorar sua qualidade, explica Alessandra Tieppo, diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia:
— Esses hábitos, mesmo adotados tardiamente, vão ajudar a retardar ou até reverter alguns processos. Atividade física melhora a perda muscular. Alimentação balanceada ajuda a controlar doenças crônicas como diabetes, hipertensão e colesterol alto. Conexões sociais, buscar novos aprendizados cultivar hobbies são práticas que ajudam a evitar depressão, declínio cognitivo — aconselha a geriatra.
Os especialistas reconhecem que mudanças no estilo de vida não são simples. Por isso, recomendam pequenas modificações que, ao longo do tempo, motivam outras e se tornam práticas de longo prazo.
— Temos comportamentos que não são superados da noite para o dia, por isso a importância da implementação gradual. Com o tempo, as mudanças se tornam enraizadas — diz Bruno Gualano, presidente do Centro de Medicina do Estilo de Vida da USP.
O alerta é especial para os homens, que costumam dar menos atenção à saúde, lembra Milton Crenitte, geriatra e diretor técnico do Centro Internacional de Longevidade Brasil . Segundo o IBGE, enquanto a expectativa de vida da mulher é de 79,7 anos no Brasil, a do homem é de 73,1.
— As mulheres tendem a aderir mais a mudanças de estilo de vida porque se cuidam mais. É importante alertar sobre hábitos nocivos que, às vezes por conta de um machismo, muitos homens repercutem.
Para quem quer maior longevidade, o primeiro passo ideal é a atividade física, segundo uma pesquisa sobre envelhecimento que já dura mais de 30 anos no Instituto Moriguchi, conta Senger:
— O fumante que faz exercícios tem menos danos pelo cigarro. O obeso, menos danos pelo excesso de peso. A atividade física ameniza todos os outros processos e puxa outros bons hábitos. O obeso percebe que o excesso de peso atrapalha. O fumante vai ver que fica mais cansado do que o colega.
Gualano afirma que não há um sistema no corpo que não responda ao exercício, do cardíaco ao cerebral.
— Para quem nunca fez, a primeira dica é começar de alguma forma, sem pular degraus. Fazer algo dentro do condicionamento que o indivíduo tem. Pode ser em uma academia, um esporte, ou simplesmente um lazer, como andar com o cachorro, passear no parque, ir e voltar do trabalho a pé ou de bicicleta. Isso já vai condicionar a pessoa com o tempo. É importante não pensar em tirar todos os anos de atraso na primeira semana.
Um ponto-chave, conta Crenitte, é que a atividade inicial seja prazerosa para que se torne um hábito.
— Não precisa, no início, ter uma meta muito ousada. A OMS recomenda pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana. Mas, se eu começar com essa meta, pode ser que fique triste, frustrado, acabe desistindo. O que se conseguir fazer no começo já está ótimo — diz.
Alessandra reforça ainda que a ideia de que há uma atividade física ideal leva muitas pessoas, especialmente idosos, a acreditarem que só podem fazer exercícios como hidroginástica, de menor impacto. O problema é que, mesmo sendo uma boa alternativa, não é o que todo mundo gosta, explica a geriatra:
— Às vezes buscamos atividades que já fizemos no passado ou práticas que sempre despertaram curiosidade, como uma luta, uma dança. O importante é que seja algo que se adapte à sua realidade. Hoje, temos pacientes que começam até mesmo corrida, luta marcial, com 60, 70 anos.
Sobre a busca pelo ideal, Gualano acrescenta que as redes sociais amplificaram uma noção do “mundo fitness” focada em motivação e desempenho, em que o indivíduo é o único responsável pelo seu estilo de vida. Na realidade, não é simples aderir a uma rotina com todos os hábitos saudáveis:
— Temos um contexto social muito importante que precisa ser levado em consideração. O indivíduo tem tempo para agregar o exercício na rotina? Tem dinheiro para uma boa alimentação?
Muitos fumantes acreditam não haver benefícios em largar o hábito após décadas. Mas um estudo de cientistas da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicado no American Journal of Preventive Medicine, constatou que quem parou de fumar aos 55 anos recuperou cerca de 3 anos e meio de expectativa de vida. Até quem largou aos 75 anos aumentou a longevidade.
O mesmo vale para o álcool. Crenitte lembra que a bebida é ligada a uma série de problemas de saúde, como problemas no fígado, câncer, perda cognitiva e demência.
— O álcool é metabolizado de uma forma diferente no corpo de uma pessoa mais velha. A quantidade que a pessoa consumia aos 30 vai ser muito mais tóxica aos 60 — complementa.
Outra mudança que pode às vezes ficar de lado, mas tem um impacto grande na saúde cerebral é a socialização. É importante ter amigos, parentes, uma rede de apoio, além de hobbies como aprender uma nova língua, pintar ou ler.
A prática importa até para a saúde cardiovascular. A solidão e o isolamento social são associados a um aumento de cerca de 30% no risco de ataque cardíaco, derrame ou morte por um deles, de acordo a Associação Americana do Coração.
Na alimentação, os especialistas reforçam que não é preciso dietas específicas, que muitas vezes são tendências passageiras. Uma regra de ouro mais fácil de ser seguida é evitar ultraprocessados e priorizar itens in natura: desembalar menos e descascar mais.
— Trabalhos de três anos mostram que uma em cada dez pessoas conseguem manter o peso perdido com uma dieta restritiva — diz Gualano.
Crenitte lembra que essas mudanças colaboram para a saúde sexual na meia-idade. Ele cita que a disfunção erétil costuma acontecer quando o o sangue não flui direito no pênis. Atividade física, parar de fumar e controlar a pressão arterial combatem o problema.