Novo romance de Giovana Madalosso é sobre parar (tão difícil hoje no mundo em que vivemos) e, mesmo assim, continuar
Giovana Madalosso, autora de ‘Batida só’ (Todavia) | © Arquivo pessoal
Batida só (Todavia), terceiro romance de Giovana Madalosso, entrega personagens que cativam o leitor. A trama parte de um corpo em colapso para chegar às perguntas que evitamos em silêncio: o que é, afinal, inegociável na vida? Como seguir quando as emoções que nos definem também podem nos matar?
A protagonista, uma jornalista que vive a velocidade e o ruído das grandes cidades, sofre um ataque na rua que desvela algo maior do que o susto, o seu coração carrega uma arritmia grave e imprevisível. A partir desse evento, inicia-se uma jornada não apenas clínica, mas profundamente existencial. A recomendação médica é clara: evitar emoções fortes. Mas quem vive impassível sem também se ausentar de si?
Essa é a tensão visceral que move o romance e que a autora desenvolve com engenhosidade tanto na trama quanto no uso da linguagem (há de se destacar o uso das vírgulas para marcar as batidas do coração da personagem). Em busca de paz, ela se refugia na casa dos avós, na pequena Moenda, sua cidade natal. Entre antidepressivos e tentativas de silenciar o corpo e a alma, ela é surpreendida por Nico, um garoto que entra na casa com um oratório e muda o compasso da narrativa. É filho de Sara, sua amiga de infância, agora mãe solo, religiosa, dona de autoescola e repleta de fé em todas as direções.
A protagonista e Sara parecem construídas em oposição, uma não acredita em nada além da ciência, a outra enxerga sinais em tudo. Mas a vida, que raramente respeita polarizações, costura as duas de volta em uma relação tão incômoda quanto necessária. As discussões entre fé e ceticismo, cuidado e desamparo, o desejo de controle e a imprevisibilidade da existência tornam Batida só um livro que provoca e que acolhe sem simplificar a vida e a condição humana.
Madalosso tem uma habilidade ímpar de tensionar temas espinhosos com afeto e ironia. A escrita é afiada, mas também sensível. As relações entre os personagens nunca caem no maniqueísmo, elas se constroem na ambiguidade, no desconforto, na ternura que nasce da convivência real, imperfeita e cotidiana.
A viagem que os três personagens fazem em busca da cura não é um clímax convencional, mas uma travessia emocional. Cada um leva no corpo uma urgência: a protagonista, o coração em risco; Nico, uma doença difícil; Sara, a fé como salvação. E, no meio disso tudo, o que emerge é a possibilidade de encontrar outro ritmo para viver, aquele que acolhe o sentimento, mesmo quando ele assusta.
Batida só é um romance sobre parar (tão difícil hoje no mundo em que vivemos) e, mesmo assim, continuar. Sobre a impossibilidade de viver anestesiado. Sobre como as conexões humanas nos curam, não apesar das diferenças, mas justamente por causa delas. Um livro que mostra que, quando tudo precisa ser evitado, talvez o que mais salve seja, justamente, o que não se pode controlar: amar, rir, chorar, acreditar. E seguir, mesmo com o peito batendo fora de compasso.
Giovana Madalosso confirma aqui o que já sabíamos: é uma autora magistral. Seus livros, para escritores, são uma aula de criação de personagens, e para leitores, uma experiência profunda sobre a condição humana. A sua obra é um legado para a literatura brasileira contemporânea.