ANÁLISE | É “profundamente perturbador” para a Europa assistir de fora ao encontro que aí vem no Alasca entre Putin e Trump, na sexta-feira. O presidente dos EUA já disse que está a ser analisada uma troca de territórios entre a Rússia e a Ucrânia. E isso conduz-nos a uma lição de História
Com Putin e Trump a tentar fechar acordo, europeus temem ser nota de rodapé na história
por Tim Lister, CNN
Esta não é a primeira vez que as capitais europeias se mostram apreensivas com a possibilidade de o presidente russo, Vladimir Putin, dividir a aliança transatlântica e obter tudo o que deseja na Ucrânia.
Antes da cimeira entre Putin e o presidente norte-americano, Donald Trump, que foi subitamente anunciada para o Alasca esta sexta-feira, houve um diplomata europeu, que não quis ser identificado por não estar autorizado a falar oficialmente, a dizer isto à CNN: “Corremos o risco de ser uma nota de rodapé na história”.
Os receios europeus devem-se, em parte, ao pouco que se sabe sobre o que o Kremlin propôs para travar os conflitos na Ucrânia. Putin não deu pormenores. O enviado dos EUA, Steve Witkoff, também nada disse depois do seu encontro com o líder russo na passada quarta-feira.
Já Trump afirmou o seguinte, depois de Witkoff deixar Moscovo: “É muito complicado. Vamos recuperar alguns territórios, vamos trocar outros. Haverá alguma troca de territórios, para o bem das duas partes”.
Os europeus temem que “o bem das duas partes” seja um resultado difícil de alcançar. Não há qualquer indicação de que Putin tenha recuado um milímetro nas suas exigências – quer em termos territoriais, quer no facto de a Ucrânia continuar a ser um saco de pancada para a Rússia, não dando qualquer garantia a este país no que respeita a segurança, dimensão territorial ou capacidade das forças armadas.
“Paris, Berlim ou Londres não acreditam que este governo americano esteja preocupado com a tomada de território. Os europeus consideram isto profundamente perturbador”, afirmou o diplomata.
A União Europeia e o Reino Unido sentiram-se obrigados a dizer o seguinte numa declaração conjunta que fizeram no sábado: “Continuamos empenhados no princípio de que as fronteiras internacionais não devem ser alteradas pela força”. Polónia e Finlândia também assinaram a declaração.
O bloco europeu passou grande parte do dia a apresentar o caso ao vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, que estava prestes a iniciar férias no Reino Unido. O objetivo era claro: tentar esclarecer o que iria ser negociado entre Trump e Putin.
O vice-presidente dos EUA, JD Vance, numa reunião com o secretário dos Negócios Estrangeiros britânico, David Lammy, em Sevenoaks, Inglaterra, na sexta-feira, um dia antes de a dupla se reunir com outras autoridades europeias e ucranianas foto Suzanne Plunkett/WPA Pool/Getty Images
A “administração Trump descreveu as alegadas exigências do presidente russo, Vladimir Putin, para um cessar-fogo na Ucrânia de quatro formas diferentes desde 6 de agosto”, segundo o Institute for the Study of War (ISW), um ‘think tank’ sediado em Washington, D.C.
Há um ponto comum a todas as versões: a de que Putin irá exigir que as forças ucranianas se retirem da região de Donetsk, que ainda controlam. Isto incluiria cidades importantes como Slovyansk, Kramatorsk e Kostyantynivka.
“Ceder a tal exigência obrigaria a Ucrânia a abandonar o seu ‘cinturão de fortalezas’, ou seja, a principal linha defensiva fortificada na região de Donetsk desde 2014”, observou o ISW. Tal exporia a Ucrânia a novas agressões no futuro.
Mick Ryan, que acompanha no seu blogue Futura Doctrina o conflito ucraniano, afirmou este domingo que “a Ucrânia, mais do que ninguém, compreende que o território cedido seria então utilizado como uma plataforma para o início de futuras agressões russas”.
Os paralelismos com o Acordo de Munique, feito entre o então primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain e Adolf Hitler em 1938, são impressionantes. Mesmo após a invasão nazi da Checoslováquia, Chamberlain dizia ter recebido a seguinte garantia de Hitler: “Esta é a última reivindicação territorial que tenho de fazer na Europa”.
O que não sabemos: se Putin irá ceder na sua vontade de controlar outras duas regiões ucranianas, Kherson e Zaporizhzhia, cujas capitais regionais ainda estão em mãos ucranianas. Ou mesmo se aceitará um ‘congelamento’ ao longo das atuais linhas da frente nestas regiões, que atravessam zonas rurais abertas, sendo por isso difíceis de monitorizar.
Também não é claro se Putin exigirá que a Ucrânia reconheça a soberania de Moscovo sobre a Crimeia – e, em caso afirmativo, o que poderá oferecer em troca. Zelensky tem insistido que a constituição ucraniana impede a cedência de qualquer parte do seu território.
Há também uma questão em relação à sequência dos acontecimentos, já que os europeus consideram um cessar-fogo como uma pré-condição para qualquer discussão sobre o território. “A atual linha de contacto deve ser o ponto de partida das negociações”, afirmaram os líderes europeus no sábado.
Outra incógnita: se o Kremlin concordará com algum tipo de “força de garantia” europeia para assegurar o cessar-fogo. Até à data, todas as indicações são de que não permitirá que nenhum membro da NATO contribua para esta força.
Os líderes europeus afirmaram, em comunicado, no sábado, que devem existir “garantias de segurança robustas e fiáveis que permitam à Ucrânia defender eficazmente a sua soberania e integridade territorial”.
Os bombeiros trabalham num prédio de apartamentos em Kramatorsk, na região de Donetsk, na Ucrânia, atingido por um ataque russo a 31 de julho foto Yevhen Titov/Reuters
Contudo, a experiência sugere que os europeus podem estar a fazer todos os esforços para pacificar Trump.
“Desde a tomada de posse, em janeiro, os europeus compraram passes ilimitados para a montanha-russa de Trump. Amarraram-se, subiram e gritaram aterrorizados várias vezes, mas não conseguiram sair”, refere Rym Momtaz, do Carnegie Endowment for International Peace, um ‘think tank’ sediado em Washington, D.C.
Ou seja, os europeus estão a pagar o preço por não desenvolverem uma identidade estratégica independente da influência dos EUA, tal como o presidente francês, Emmanuel Macron, tem vindo a insistir há oito anos.
Por muito que queiram apoiar e proteger a Ucrânia, os europeus têm-se limitado a adivinhar o que poderá ser decidido na sua ausência.
A responsável pela política externa da União Europeia, Kaja Kallas, afirmou este domingo que “qualquer acordo entre os EUA e a Rússia deve incluir a Ucrânia e a União Europeia, uma vez que é uma questão de segurança para a Ucrânia e para toda a Europa”.
Para Mick Ryan, antigo general australiano que agora acompanha o conflito, a situação para a Europa é muito mais perigosa do que devia, uma vez que, argumenta, os próprios EUA não têm uma estratégia para a Ucrânia.
“Há apenas raiva, impulsos, publicações nas redes sociais, múltiplas mudanças de rumo e um desejo latente de Trump de ganhar o Prémio Nobel da Paz.”