“Quem quer que seja que tenha orquestrado e conduzido esta ação criminosa saiu derrotado e ajudou-nos a todos, ao Executivo e à sociedade, a tomar medidas preventivas e melhores formas de reagir em caso de reincidência, com vista a minimizar os danos sobre as pessoas e o património”, disse o Presidente numa mensagem à Nação, divulgada pela Televisão Pública de Angola no dia 1 de agosto.
Mas se há um facto em que concordam os vários interlocutores escutados pelo Observador para este artigo, à excepção dos do Governo e do MPLA, é que o protesto não foi organizado mas sim espontâneo. E também por isso se reveste de um valor diferente.
Estes não foram uns distúrbios quaisquer, “têm outro significado”, considera Sedrick de Carvalho. “As pessoas estão saturadas, passam a assaltar e a pilhar. Aqueles dias coincidiram com a greve dos taxistas, pode acontecer mais vezes. No passado [2022], também numa paralisação dos taxistas foi vandalizada a sede do MPLA e um autocarro incendiado. Agora o efeito foi maior”, sublinha o também escritor.
A “gravidade também. A polícia disparou à queima-roupa, bens privados foram saqueados e vandalizados, o número de pessoas a pilhar, pessoas vestidas para irem trabalhar, com empregos normais, a roubarem. E maioritariamente não levavam bens de luxo, telemóveis ou televisões, esse número é muito reduzido, mas sim comida para comer. Não eram vândalos, eram pessoas com fome. Que estão a caminhar, veem o saque e vão e também roubam. Isto mostra que há fome em Luanda“, frisa o ativista.
Afinal, como é que uma paralisação com o mote “Fiquem em casa” resvalou para um caos violento e mortal?
Os taxistas nunca marcaram uma manifestação, frisa Sedrick de Carvalho, mas sim uma paralisação. O problema foi que “os media estatais divulgaram desinformação; na véspera, começaram a dizer que não ia haver greve e as pessoas confiaram e saíram para a rua para ir trabalhar” para apanhar o transporte”, sublinha o ativista. Ficaram horas de pé, nas filas, à espera dos candongueiros que nunca chegaram.
Na véspera, era difícil perceber o que ia acontecer. Francisco Paciente, o presidente da Associação Nacional de Taxistas de Angola, dizia que não haveria paralisação, mas numa “história mirabolante”, como lhe chama Filomeno Vieira Lopes, o vice-presidente confirmava que sim, bem como outras organizações, como a Associação Nacional de Taxistas de Luanda. “Perante várias informações a negar a convocação, eles reuniram e no final, Rodrigo Catimba é raptado e aparece num vídeo com um ar muito assustado a dizer que a paralisação estava desconvocada. Quando se sentiu livre, voltou a dizer que estava convocada”, recorda o coordenador do BD.
Sedrick de Carvalho crê mesmo que o problema esteve no que foi transmitido pela TPA e pela Rádio Nacional de Angola. “Foi o Governo que provocou isto, com a mentira e a desinformação de que não se iria realizar, fez manipulação grosseira da informação com ajuda da imprensa estatal e acreditou que a mensagem iria passar aos taxistas”. Passou a uns e não a outros. Às 4h, 5h e 6h as pessoas saíram, como habitualmente, para irem trabalhar. Mas não havia táxis. Havia sim “piquetes de greve”, diz Carlos Rosado de Carvalho. Não dos taxistas, mas dos chamados lotadores, as pessoas que chamam os clientes para os táxis (neste negócio há vários intervenientes, os proprietários das carrinhas, os motoristas, os cobradores dos bilhetes e os angariadores de passageiros).
Os taxistas (motoristas) não saíram à rua, mas os lotadores sim, ou melhor, não saíram da rua. “Muitos são marginais, vivem nas ruas, e quando os transportes públicos começam a circular eles lançam pedras, partem vidros”, descreve Sedrick. “Foram um piquete de greve, impediram os outros de trabalhar, incluindo os gira-bairros (carros de particulares, inclusive de deputados, em que o motorista, quando o dono do carro não precisa dele, faz de táxi em pequenos percursos)”, resume Carlos Rosado de Carvalho. O economista vive perto de um dos locais onde foi filmado um vídeo muito partilhado: uma pequena multidão faz recuar um carro amarelo que tenta passar em vão, faz marcha atrás, e depois acelera contra o grupo atropelando várias pessoas.
A ação dos lotadores teve um efeito de contágio, explica Sedrick de Carvalho. “As pessoas, cansadas de esperar, saturadas com o aumento do custo de vida, acabam por entrar num protesto espontâneo, não organizado”. E quando surgem as pilhagens e os saques, “acabam por roubar também”. É por isso “que a polícia é apanhada de surpresa. Não havia qualquer manifestação convocada para aquele dia”.
Naturalmente, responde o porta-voz do MI, “não é possível a polícia ser apanhada de surpresa”.