Relatório oficial reconhece falhas graves na frota de meios aéreos
Portugal é o único país do Mediterrâneo sem uma frota de aviões Canadair, o melhor meio aéreo do mundo no combate a fogos florestais. São aviões anfíbios, preciosos no apoio aos bombeiros. Por um lado, têm capacidade para descarregar seis mil litros de água em menos de um minuto. Por outro, recarregam facilmente nas albufeiras de barragens ou rios mais próximos do local dos sinistros. Quando operam em equipa, com várias unidades, conseguem descarregar água, permanentemente, sobre as chamas.
“Os Canadair são, talvez, o único meio no mundo especialmente concebido para o combate aos incêndios florestais. Há quase um mito do Canadair, como o avião salvador. Por isso, todos os países da Europa adquiriram dezenas de unidades”, expõe à CNN Portugal António Nunes, presidente da Liga de Bombeiros Portugueses (LBP).
Espanha tem 25 destes aviões, Itália 18, e França 12. A Grécia opera 17 e encomendou mais sete, Croácia e Marrocos têm seis e aguardam, cada um, outros tantos. Nestes países, o contingente de aviões é, em regra, propriedade do Estado.
Já Portugal, apesar de ser o país da Europa com maior área ardida nos últimos 30 anos, não tem qualquer unidade Canadair. No tempo dos governos de António Costa, optou antes por helicópteros russos Kamov, que nunca foram eficazes no combate a incêndios e acabaram oferecidos à Ucrânia.
Aluguer acidentado: três Canadair avariados
Ao abrigo de um mecanismo europeu, a Força Aérea Portuguesa (FAP) encomendou dois Canadair, que só deverão chegar em 2029. Este número é considerado manifestamente insuficiente pelos bombeiros. “A frota mínima é de quatro aviões, para permitir suprir avarias e necessidades de manutenção”, expõe António Nunes. O presidente da LBP argumenta ainda que o que faz a diferença é a possibilidade destes aviões atuarem em equipa, reabastecendo e descarregando água, continuamente, sobre os territórios estratégicos para conter fogos à nascença e, quando estes atingem proporções incontroláveis, para proteger aldeias e populações.
Até 2027, Portugal contratualizou com a Avincis a disponibilidade de dois Canadair, mais um terceiro de reserva. Os aparelhos objeto de contrato são Canadair 215, o modelo mais antigo, com mais de 30 anos de existência. Esta versão original do avião tem motores mais vulneráveis às altas temperaturas dos incêndios e ao uso intensivo, decorrente da situação descontrolada de Portugal nas últimas semanas.
“Esta é uma situação sem precedentes. Estamos a dar o nosso melhor para trazer duas aeronaves de substituição o mais rapidamente possível para Portugal, provenientes de uma das nossas outras bases na Europa”, reage a Avincis, em resposta escrita à CNN Portugal.
Falhas reconhecidas oficialmente
Um relatório oficial, subscrito pela FAP, Autoridade Nacional de Proteção Civil e Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIF), publicado na semana passada, reconhece as lacunas da frota aérea de combate a fogos rurais.
Esse documento alerta para a necessidade de Portugal comprar mais aviões Canadair e helicópteros pesados, se quer combater com eficácia os incêndios florestais. A frota aérea nacional, apesar de alguns avanços, ainda tem lacunas graves, que comprometem a resposta rápida e eficaz a fogos intensos, deixando as comunidades rurais vulneráveis.
O relatório, elaborado pela consultora australiana Avtract, elogia o foco no ataque inicial rápido, ensaiado em 2022, com 29 helicópteros ligeiros e 14 aviões médios. Mas, em 2025, com incêndios mais frequentes, faltam meios para “peso-de-ataque” – ou seja, com capacidade de lançar volumes massivos de água ou retardante. Para além do problema dos Canadair, o Estado tem 10 aeronaves com interesse potencial (3 pesadas e 7 ligeiras), inativas por falta de kits de adaptação, segundo a FAP.
A coordenação aérea também é fraca. O dispositivo só dispõe de dois helicópteros de reconhecimento dedicados. Por outro lado, faltam drones com visão noturna, para operações de vigilância de 24 horas por dia.
Especialistas como Richard Alder, autor do relatório, alertam: “Sem mais investimento, Portugal arrisca catástrofes anuais”.