Relatório aponta “múltiplos casos de vandalismo a locais ou propriedades de judeus” em Portugal, mas só cita um caso específico em todo o capítulo que fala sobre ódio àquela comunidade
Está tudo bem em Portugal, mas há problemas com antissemitismo e incitamento ao ódio contra judeus. Este é o entendimento da mais recente avaliação anual feita pelos Estados Unidos.
O Departamento de Estado norte-americano publicou esta terça-feira o seu balanço sobre Direitos Humanos, ignorando os abusos num país como El Salvador, mas reforçando as críticas a países europeus ou ao Brasil, onde houve uma “deterioração” da situação.
De acordo com o relatório, Portugal não tem problemas de maior, mas há casos de antissemitismo, havendo entre três a quatro mil judeus na comunidade portuguesa.
“Houve múltiplos casos de vandalismo a locais ou propriedades de judeus”, pode ler-se no relatório, que não especifica nenhum caso.
Um deles será o da Sinagoga do Porto, a maior da Península Ibérica, e que foi vandalizada já no final de 2023, o que obrigou ao reforço da segurança no local. Por situações como essas, mas também outras que têm ocorrido, o policiamento dos “interesses israelitas” em Portugal continua reforçado, numa situação que não mudou desde que Israel lançou a sua ofensiva em Gaza, numa reação ao ataque sem precedentes que o Hamas levou a cabo no sul do país.
Caso isolado há mesmo só um, ainda que não fique totalmente claro o que os Estados Unidos pensam sobre ele. Falamos da entrevista dada pelo cabeça de lista do Chega às eleições Europeias de junho de 2024.
Ainda antes disso, numa entrevista pelo jornal Observador publicada a 10 de maio, António Tânger Corrêa sugeriu que os judeus podem ter sido avisados dos atentados do 11 de setembro, que mataram quase três mil pessoas nos Estados Unidos, a maioria na cidade de Nova Iorque.
As palavras a que o relatório se refere são as seguintes: “Quando cheguei a Israel, uma semana antes, estava muito cru. Era amigo do Shimon Peres, que era ministro dos Negócios Estrangeiros, com quem contactei imediatamente, e tinha dois ou três colegas, embaixadores de outros países que tinham estado comigo já noutros postos. Todos eles disseram que corria o boato de que ia haver uma coisa em grande nos Estados Unidos. Efetivamente, quando se dá o atentado, os jornais israelitas não esperaram pelo dia seguinte para dizer ‘cálculo do número de mortos = x’. Coincidia quase com o número de mortos de israelitas desde a criação do Estado de Israel. Depois, à medida que o tempo foi passando, chegou-se à conclusão de que o número de mortos era muito menor. Agora, se houve aviso ou não houve aviso, fica a dúvida no ar.”
Questionado nessa mesma entrevista sobre a possibilidade de um aviso aos trabalhadores judeus, o agora eurodeputado acrescentou: “Podem ter sido, digo eu. Não garanto, porque não ouvi nada desses avisos. Agora, o que é facto é que estavam menos pessoas a trabalhar nas Twin Towers, que, como sabe, eram um local onde muitos judeus [trabalhavam].”
Ora, sobre isso, os Estados Unidos notam que “o cabeça de lista do Chega ao Parlamento Europeu e antigo embaixador de Portugal em Israel, António Tânger Corrêa, sugeriu, numa intervenção, que os judeus podem ter sido avisados dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2011”.
Sem fazer uma ligação direta, o relatório acaba por incluir estas declarações num capítulo sobre antissemitismo e incitamento ao antissemitismo.
Uma teoria antiga
A teoria de que os judeus que trabalhavam nos locais atacados durante o 11 de setembro surgiu logo após os atentados que atingiram as Torres Gémeas e o Pentágono.
De acordo com a Liga Anti-Difamação, esta é uma teoria já amplamente desmentida, e que surgiu na sequência de outras teorias que apontam para uma tentativa dos judeus de dominarem o mundo para seu benefício.
As diferentes comissões criadas para apurar tudo o que se passou naquele dia e todas as agências governamentais refutaram esta teoria, ainda que alguns grupos de ativistas continuem a sugerir que há factos a serem escondidos.
Alguns desses grupos abraçaram depois teorias da conspiração relacionadas com a covid-19 ou com os programas de vacinação.
Sobre a questão dos judeus, a teoria abraça a mesma sugestão de António Tânger Corrêa, de que os cerca de quatro mil trabalhadores que estavam nas Torres Gémeas tinham sido avisados antecipadamente.
Quem defende esta teoria diz que o governo israelita orquestrou os ataques para levar os Estados Unidos a lançarem uma guerra regional contra os inimigos do Estado hebraico. Certo é, de acordo com a BBC, que 119 das 2.071 vítimas que estavam em Nova Iorque eram judeus, enquanto outras 72 tinham laços com a comunidade.
Isso significa que cerca de 10% das vítimas registadas nas Torres Gémeas eram de ascendência judaica.