Morreu o “Príncipe das Trevas”, o “Padrinho do Heavy Metal”, o “Madman”, faleceu Ozzy. A sua discografia, tanto a solo como nos Black Sabbath, está repleta de metáforas sobre a guerra, insanidade, desespero e perda. As suas letras, sobretudo as mais antigas, são um protesto contra a violência e a desumanização. E acho que, a partir daqui, consegue compreender a ligação ao conflito Hamas-Israel ou, neste momento, entre Israel e nada – nos vários sentidos que esse termo aqui pode tomar.

Não são conhecidas posições públicas de Ozzy relativamente ao conflito israelo-palestiniano. No entanto, a sua mulher, Sharon, de origem judia, declarou apoio a Israel após os atentados de 7/10. Era provável, até, segundo o Times of Israel, que o seu marido tivesse desenvolvido uma forte conexão ao judaísmo, tendo uma sensibilidade particular para o antissemitismo crescente na Europa.

As letras de Ozzy, muitas das quais escritas pelo seu baixista, Geezer Butler – de quem também não se conhecem declarações públicas sobre o conflito, sendo conhecido, especialmente, pelo seu fanatismo pelo Aston Villa –, são cantadas e lembradas pelo seu forte teor antiguerra e pelo cariz universal da sua crítica social, condenando a violência, a desumanidade e a corrupção do poder.

Numa das minhas favoritas, War Pigs (1970), Ozzy brada contra as lideranças políticas e militares que planeiam a guerra à distância, enquanto o custo humano é pago por outros – soldados e civis. A dimensão pictórica de “corpos a queimar” enquanto “a máquina de guerra continua” entoa, com estrondo, a devastação dos ataques de 7/10 do Hamas e o ciclo de violência encetado por Israel na região. Em Hand of Doom (1970), é-nos mostrada a forma como se entrelaçam as mãos da morte e como a cegueira leva os tolos a tomar o sono dos outros – a dar-lhe o beijo da morte. Naquele que é, provavelmente, o seu maior êxito, Paranoid (1970), os versos transportam-nos para um estado mental de insatisfação incessante e contagiante. Um espaço consumido pela tristeza e pelo ensandecimento, um lugar para quem já é tarde demais.

A solo, em Crazy Train (1980), fazendo a ponte com uma ideia repetida em Hand of Doom, critica a artificialidade das regras escritas por pregadores e idiotas e os ferimentos mentais que causam e não saram. É uma crítica aos políticos que, com os seus discursos, alimentam e são alimentados por ciclos de violência. O comboio desgovernado como metáfora para o caos e imponderabilidade de um conflito sem fim. Em Bark at the Moon (1983), os uivos servem para quebrar o silêncio e acordar da calada da noite – receia-se pela sede de vingança que matará a luz da esperança.

Enfim e para não maçar mais, em No More Tears (1991), uma composição complexa com mais de sete minutos, somos transportados para a atmosfera sombria de um serial killer que se dirige a uma das suas vítimas. O título da canção é a sua resposta fria e indiferente ao choro da mesma: Verso 1 – A luz na janela é uma fenda no céu / Uma escadaria para a escuridão num piscar de olhos (…). Refrão: Chega de lágrimas (x4). Verso 2 – Outro dia passa enquanto a noite se aproxima / A luz vermelha acende-se para dizer que é tempo de começar.

Em todas estas canções viajamos para o dia 7/10 em Israel e para todos os dias a partir desse na Faixa de Gaza. Em todos os versos há uma referência à artificialidade da guerra, às suas mentiras, à sua desgraça e a tudo aquilo que a alimenta. Visitamos a bruma da irracionalidade e viajamos na neblina de mais um conflito que nada tem a ver com a guerra atual. Percorremos o labirinto de beligerantes – praticamente só um, atualmente – que peleiam com base na assunção de que, se combaterem hoje, os custos humanos, económicos e geopolíticos serão menos graves do que os dos conflitos de amanhã.

Nunca saberemos a opinião de Ozzy sobre o conflito israelo-palestiniano. Com o avançar da sua doença, talvez nem tivesse clareza sobre o ciclo de violência na região, a questão dos dois Estados ou a escala bíblica da destruição de Gaza. Contudo, a sua voz ressoará no tempo. Agora, no original: It’s just a sign of the times / Going forward in reverse (No More Tears).

O autor escreve segundo o acordo ortográfico de 1990