Numa discreta cidade canadiana, em pleno inverno, garantia de noites longas e temperaturas gélidas, um miúdo cambaleia em palco, estranhamente confiante. A mãe filma a cena, mas entre a câmara tremida e a iluminação precária, a face deste jovem prodígio, contratenor de uma sagacidade precoce, permanece na sombra. A revelação foi repentina, apenas um ano depois, estava no estúdio com Usher, o suprassumo da canção sensual, a encantar pré-adolescentes com uma voz cristalina e um penteado à tigela. Quase vinte anos findados, este nome nunca mais nos deixou: Justin Bieber.
Aos 12 anos, Justin Drew Bieber concorria a um concurso de talentos na cidade de Stratford, a 150 km das Cataratas do Niagara. A apresentação foi imaculada, de gravata e camisa para dentro, interpretou So Sick, o hino R&B arrebatador de Ne-yo — uma escolha no mínimo inusitada para uma criança branca canadiana em 2007. O vídeo foi publicado no Youtube, o agente Scooter Braun deparou-se aleatoriamente com aquela filmagem tosca, contactou de imediato a mãe e pediu ajuda a Usher para fundar a Raymond Braun Media Group, uma empresa com o único propósito de gerir a carreira e editar a música de Justin Bieber. A aposta foi certeira: mais de 150 milhões de discos vendidos.
No final do ano passado, os detetives da internet revelaram que Justin Bieber já não seguia o seu agente no Instagram, o equivalente em 2025 a uma chapada de luva e um inevitável duelo à pistola. Nos meses seguintes, as publicações da estrela pop tornaram-se erráticas e embaraçosamente genuínas — nunca é bom quando a pessoa que, em improviso, declarou que a Anne Frank seria uma “Belieber”, tem acesso livre ao telemóvel. Alguma coisa acontecia no reino Bieber e neste mês de junho obtivemos uma resposta contundente: Justin e Scooter (o mesmo com o qual Taylor Swift teve uma quezília durante anos) firmaram um acordo financeiro e romperam definitivamente, a via aberta para o lançamento de SWAG, o álbum de emancipação do menino de ouro da pop.
[o álbum “SWAG” para ouvir na íntegra no Spotify:]
Ninguém foi avisado, subitamente, o sétimo álbum de Bieber surgiu nas plataformas de streaming: SWAG, assim mesmo, em letras garrafais, sob um fundo preto, acompanhado por uma sessão fotográfica, a preto e branco, com a mulher, modelo e rainha da cosmética, Hailey Bieber, e o filho de um ano, em ambientes rústicos familiares, pela fotógrafa Renell Medrano, a mesma de Mr. Morale & the Big Steppers, o álbum-terapia de Kendrick Lamar saturado de traumas e queixumes. Depois do álbum conceptual Justice, que começa, a sério, com um discurso de Martin Luther King Jr., o que teríamos feito para merecer mais uma empreitada de responsabilidade social de Justin Bieber. Felizmente, SWAG não poderia estar mais distante de qualquer pedagogia, é alegre e sossegado, todo mel e melismas, um regresso àquele palco discreto em Stratford, àquele miúdo estranhamente confiante, logo quando ninguém o esperava.
A entrada de SWAG é desorientante, ao primeiro segundo, estamos ensopados em sintetizador da década de oitenta, imediatamente seguido de uma caixa de ritmos, azeiteira ao limite, agora de finais da década de noventa, como se Hold Me Now dos Thompson Twins fosse produzido por Max Martin, o mago sueco que criou a sonoridade de Britney Spears, Backstreet Boys e companhia. E não ficamos por aqui: Bieber canta num murmúrio sedutor em ALL I CAN TAKE, uiva “baby, baby, baby”, naquele R&B do início do século, até rematar com manipulações de voz, agora sim, mais perto de 2025, ainda na sombra de Frank Ocean.
A curiosidade inicial é perceber, agora emancipado, sem amarras nas canções, quem são os compositores de confiança do renovado Bieber? Vejamos a lista de compositores de ALL I CAN TAKE: os compinchas Eddie Benjamin e Jackson Morgan; Carter Lang, o colaborador mais regular de SZA; Daniel Chetrit, compositor de The Weeknd ou Solange; e Tobias Jesso Jr, o homem da pianada melancólica e um dos compositores mais concorridos dos últimos anos — só em 2025 escreveu para Miley Cyrus, Haim ou Bon Iver. Até aqui, não é uma lista de colaboradores particularmente surpreendente, e sobretudo, não explica esta estranheza etérea que atravessa ALL I CAN TAKE, e ainda, a maioria das canções de SWAG, um álbum de pop orgulhosamente experimental.