Está casado, mas sente-se sozinho? O divórcio silencioso afeta milhares de casais que vivem juntos, mas já não partilham vida nem afeto. Saiba reconhecer os sinais.

Quando estava casada, Carly e o marido não discutiam muito.

No entanto, quando o casamento começou a deteriorar-se, ela e o seu agora ex-marido recorreram a manuais para casais na esperança de resolverem os seus problemas.

“Preferia não falar com ele sobre as coisas, pois era muito difícil comunicar em geral”, diz Carly, mãe de um filho, que não quis incluir o seu apelido por questões de privacidade. “Ele era mais do tipo silencioso e passivo-agressivo. E sinto que provavelmente era igual a ele.”

Certo dia, Carly pediu-lhe para sair de casa, em Tampa, na Flórida.

“Ele disse: ‘Não, vamos resolver isto sob o nosso próprio teto'”, recorda.

Ele mudou as suas coisas para um quarto de hóspedes na casa da família e começou a dormir lá.

Após um ano a dormir em quartos separados, o casal decidiu pôr termo ao casamento. No entanto, até esse momento, continuaram a viver juntos na mesma casa, criaram a filha e aparentavam ser um casal para o resto do mundo.

“Ele tornou-se um estranho para mim. Era alguém com quem eu ainda estava casada e com quem partilhava o mesmo teto, e depois divorciámo-nos”, aponta.

Embora os procedimentos legais tenham ocorrido mais tarde, o casal já enfrentava dificuldades há um ano e acabou por se divorciar.

Mas, afinal, o que é um divórcio silencioso?

Os casais acabam por se encontrar nesta situação quando já não sentem apego um pelo outro, mas permanecem juntos por motivos financeiros ou outros, segundo Stephanie Moir, conselheira de saúde mental licenciada e conselheira de reabilitação certificada pela Serene Mind Counseling + Evaluations, uma clínica privada de saúde mental com sede em Tampa e Jacksonville, na Flórida.

“Um divórcio silencioso é quando não se está legalmente separado, mas está definitivamente separado a nível emocional, mental e, até certo ponto, físico”, explica Moir.

“É algo que se está a viver pessoalmente e sozinho — não é algo que está no papel ou que é completamente partilhado. Portanto, pode ser isolante”, acrescenta.

É comum ouvir dizer que o casamento dá trabalho. “Se não se esforçar no casamento, isso pode levar a uma desconexão emocional em que duas pessoas simplesmente já não estão na mesma página”, explica.

Sinais de que está a viver um divórcio silencioso

Perceber que já não têm objetivos comuns enquanto casal e a incapacidade de se verem a “crescer e expandir” com o parceiro são sinais de que podem estar a viver um divórcio silencioso ou a caminhar para ele.

“Talvez comecem a tirar férias separadamente ou deixem de ir juntos a eventos sociais, como aniversários”, refere Moir.

Outro sinal revelador é a falta contínua de intimidade física com o seu parceiro, seja por já não terem relações sexuais, seja por não haver qualquer outro tipo de contacto físico que antes era normal, acrescenta.

Lisa Lavelle, assistente social clínica, psicoterapeuta e terapeuta de casais, com consultório em Nova Iorque, afirma que vê muitos “casais altamente funcionais” que estão a atravessar um divórcio silencioso.

“Pode parecer que está tudo bem por fora, são ótimos pais e resolvem as questões logísticas”, afirma Lavelle, “mas há uma desconexão emocional”.

“Um dos primeiros sinais de alerta que costumo observar quando os casais estão à beira de um divórcio silencioso é quando se sentem mais como colegas de quarto do que como parceiros românticos. O foco está em ser mãe e pai, e não marido e mulher ou parceiros”, explica Lavelle.

Embora todos os casais possam sentir-se desconectados em algum momento, as coisas tornam-se problemáticas quando evitam falar sobre essas questões e não conseguem voltar ao que eram.

A falta de intimidade física é um sinal óbvio de problema, afirma Lavelle. No entanto, é importante não confundir um divórcio silencioso com um “divórcio do sono”, que ocorre quando os casais optam por dormir em quartos separados porque alguém ressona ou há outro problema médico ou de conforto.

“Se estiver a lidar com estes tipos de problemas, como ressonar ou apneia do sono, dormir em quartos separados pode realmente ajudar a preservar o seu relacionamento”, aponta.

Há um custo oculto na calma

Um divórcio silencioso pode parecer uma espécie de alívio, afirma Lavelle, dado que um casal que antes estava habituado a discutir deixa, de repente, de o fazer.

No entanto, as discussões num relacionamento têm um propósito, explica Justin Ho, um conselheiro profissional licenciado da Summit’s Edge Counseling, em Marietta, Geórgia.

“Por mais disfuncional que possa parecer, discutir muitas vezes significa que não estamos de acordo, que não estamos na mesma página, que não concordamos — mas estamos a tentar ajudar os nossos parceiros a ver o nosso ponto de vista”, afirma.

Para alguns casais, as discussões podem indicar que ainda existe o desejo de se sentirem conectados. Um casal num divórcio silencioso pode deixar de discutir porque já não se importa, conclui Lavelle.

“Este é um casal que vai falar sobre logística, por exemplo, o que vai ser o jantar. Mas qualquer coisa que seja significativa ou desconfortável, já não falam sobre isso”, explica. “Há uma falta de vulnerabilidade.”

Há também um custo emocional. “Quando se está casado com alguém e se tenta evitá-lo de forma intencional, isso exige tempo e energia”, refere.

O ressentimento acumula-se com o tempo

Os casais em divórcio silencioso atravessam uma separação emocional que pode dar origem a sentimentos de isolamento, solidão e ressentimento, explica Ho.

“Com o tempo, esses sentimentos acumulam-se e são emoções muito difíceis de experienciar e gerir”, acrescenta. “Muitas vezes, o que vemos é que isso se transforma, potencialmente, em depressão ou ansiedade. Isso manifesta-se de muitas maneiras diferentes.”

Nos casais com filhos, que testemunham o que está a acontecer, há danos colaterais a considerar.

“Se estiver perto de um casal que não se dá bem, isso é palpável”, diz Lavelle. “Pode sentir que está a pisar em ovos só de testemunhar o quanto eles estão infelizes.”

Um divórcio silencioso pode dar origem a necessidades não satisfeitas, não só dos adultos envolvidos, mas também das crianças, afirma Ho.

“As crianças podem sentir que têm de tomar partido ou, talvez, que são negligenciadas no relacionamento, por não terem aquela imagem parental unida que as inspire ou a que se possam agarrar”, acrescenta.

Os casais também devem considerar as implicações financeiras de permanecerem num divórcio silencioso em vez de o oficializarem.

Liesl Savage, consultora financeira da Ameriprise Financial Services em Jacksonville, afirma que não se sentiria à vontade com os seus clientes a permanecerem num divórcio silencioso por um longo período, devido à responsabilidade financeira que isso acarreta.

“Se o meu futuro ex-marido sofrer um acidente de carro e alguém morrer nesse acidente, terei um grande problema nas mãos”, afirma.

“Se ainda estiver casado, estará financeiramente vinculado a essa pessoa. Estão interligados.”

Seguir em frente após um divórcio silencioso

Se perceber que pode estar a passar por um divórcio silencioso, Ho aconselha que se sente e converse com o seu parceiro.

“Pergunte-lhe: ‘Também estás a sentir a mesma coisa?’ E tente realmente entrar em sintonia naquele momento”, sugere Ho.

Embora desconfortável, esta conversa é uma oportunidade para decidir se quer investir neste relacionamento. O silêncio tem as suas próprias repercussões.

“Ressentimentos em relação à educação dos filhos, às finanças, aos sogros, aos problemas — quando esses assuntos são varridos para debaixo do tapete e não são discutidos, geralmente, pelo menos uma das partes começa a sentir ressentimento pela outra e deixa de se esforçar tanto”, diz Lavelle.

Quanto mais tempo o ressentimento permanecer sem ser controlado, mais difícil será lidar com ele, acrescenta. É por isso que pode ser útil procurar apoio terapêutico.

“Acho que as pessoas pensam que a terapia serve para salvar o relacionamento e, de facto, pode ser assim”, diz Lavelle. “Mas, acima de tudo, a terapia serve para ajudar os casais a terem conversas que não tiveram ou que lhes causam desconforto, para que possam tomar uma decisão mais informada sobre o seu relacionamento.”

*Terry Ward é uma escritora de viagens e jornalista freelancer de Tampa, na Flórida, que nunca disse que o casamento é fácil.